«Pertenço pelo berço a uma classe obscura e modesta: quero morrer onde nasci. Há nisto uma grande ambição solapada. No imenso consumo que se está fazedo, que se tem feito há trinta anos, de distinções de fitas, de insígnias, de fardas bordadas, de títulos, de graduações, de tratamentos, de rótulos nobiliários, o homem do povo queira e possa morrer com esta classificação deve adquirir em menos de meio século extrema celebridade. No Baixo Império, quando a sociedade romana caia ao contacto com os bárbaros, esfacelada pela podridão interna, chegaram a nobilitar à força os cidadãos mais obscuros, arrolando-os nos colégios dos curiais. Esta boa terra promete que há-de chegar lá.
Não sou comendador da Torre e Espada.
El-Rei o Senhor D. Pedro V, que Deus tem consigo, procurou-se um dia para me pedir, dizia ele, um favor. Era o de aceitar a comenda da Torre e Espada. Recusei, e com a sinceridade que ele sempre encontrou em mim, expus-lhe amplamente os motivos da minha recusa. Aquele grande espírito, complexo de extrema doçura, de alta compreensão e de profundo sentir, debateu, sem se irritar, as ponderações, talvez demasiado rudes, que lhe fiz. Concluiu por me dizer que cada um de nós podia proceder naquele assunto em harmonia com as próprias convicções. Que ele cumpria o que reputava um dever de rei, e que fizesse eu o que a consciência me ditasse.
Como os outros homens, os reis, embora se chamem D. Pedro V, estão sujeitos a apreciarem mal as pessoas e as cousas. Nem eu valia o que ele supunha, nem a comenda valia nada.»
Alexandre Herculano, extrato de carta ao Jornal do Commercio, 7 de Dezembro de 1862, publicado em Alexandre Herculano: Um homem e uma ideologia na construção de Portugal, Lisboa, Bertrand, 1978 - pp. 26-27.
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