terça-feira, 18 de agosto de 2020

Transcripto: O Homem das Condecorações (Duque de Ávila e Bolama), por Julío de Sousa e Costa

 


XIV 
O HOMEM DAS CONDECORAÇÕES 
[transcrito da obra O Segrêdo de Dom Pedro V, de Júlio de Sousa e Costa]

Em Portugal todos os homens políticos são fortemente discutidos, tenham ou não merecimento. Há um prazer, sobretudo, quando eles se prestam à caricatura; e quando lhes escorrega um pé, então  temos o céu aberto!... A poesia toma conta de Sua Excelência, em várias medidas. . . quadras, quintilhas, sextilhas, rima ligeira, alexandrina, épica... 
Enfim todos os paladares apreciados no Parnaso, a não ser que a Censura disso a estorve e faça  calar o desabafo... 

António José de Ávila, um açoreano com vontade de ser gente, conseguiu entrar na Universidade de Coimbra, onde se bacharelou em Filosofia. Entrou na política... Tornou-se notado... foi deputado em 1834; Par do Reino; Ministro dos Estrangeiros, Justiça e Fazenda; Presidente do Conselho, Conselheiro de Estado efectivo, diplomata e tudo quanto de importante havia em cargos públicos. 
Foi Marquês, foi Duque, até que um gracioso escreveu esta bela produção (1). 

O HOMEM DA VILA... 

Sou filho dum sapateiro, 
lá da Ilha do Fatal, 
e muito grande luzeiro 
na terra de Portugal!. . . 

Neste pais eu sou tudo 
e em tudo eu ponho a marca! 
e gozo com este Entrudo !. . . 
só falta ser Patriarca !. . . 

Oh ! grã pátria de lapuzes 
e de grandes parvalhões, 
tenho sessenta grã-cruzes 
e mil condecorações !!! 

O facto de ser filho do sapateiro Manuel José de Ávila, não era motivo para depreciação. O Pai é que tinha motivo de sobejo para se orgulhar de possuir um filho com valor e merecimento; e a mãe, a senhora Prudência Joaquina, tinha basta razão quando dizia, alto e bom som: 

— Há de navegar bem!... 

De facto o Duque de Ávila navegou admiravelmente e foi quem marcou no seu tempo. A Pátria deve-lhe, entre outros relevantes serviços, a atitude enérgica contra a Inglaterra quando esta Nação  nos quis arrebatar Bolama, em 1865... Entre nós esquece-se todo aquele que presta serviços relevantes. Isto já vem do tempo de Dom Manuel I... 

Possuía comendas e grã-cruzes do mundo inteiro às quais êle ligava muita estima... Não as podia pôr todas... Para isso seria necessário vestir quatro fardas, ou quatro casacas, ao mesmo tempo... 

Essa funilaria, como disse o grande e inolvidável Camilo, tinha-a êle carinhosamente guardada em quatro caixas almofadadas, onde repousavam, em boa e santa camaradagem, o leão da Holanda, o elefante da Dinamarca; o falcão branco, de Saxe-Weimar; a águia branca, da Rússia; a águia vermelha, da Alemanha. Além desta bicharia, e a guardá-la, lá estavam santos: Santo André, da Rússia; Santo Olavo, da Noruega, os Serafins, da Suécia, etc. Também havia o crescente e a meia lua otomanas, cruzes, colares, placas de comendador, etc. Podia pôr uma loja... 

Dom Pedro V, que detestava os penduricalhos inúteis, como costumava dizer, somente usava, com desvanecimento, a medalha comemorativa da febre amarela, que lhe fora oferecida em 1859, pela Câmara Municipal de Lisboa, e o hábito da Torre e Espada. O soberano era parcimonioso na outorga  das condecorações e dizia com convicção: 

— Poucos, pouquíssimos, as merecem!... 

O Duque de Ávila e Bolama não as devia recusar, é certo, mas gostava delas... E não o largavam!... Em 1859 dispararam-lhe esta quadra que teve um grande sucesso: 

O sr. António da Vila, 
em política grão trombone, 
lá está na primeira fila 
e com a medalha Cadastrone! 

Se havia coisa que mais aborrecesse o célebre político era darem-lhe o apelido da Vila em lugar de Ávila. 

— E nós a julgarmos que ele era vilão!!! tornavam os contrários que não perdiam ocasião de o troçar... Mas é! É com certeza!... 

Como êle fizera um relatório sobre o Cadastro, e por sinal bem elaborado e indicador de providências úteis e altamente interessantes, alcunharam-no de Cadastrone, com o que êle, também, deveras embirrava ! . . . 

Em Maio de 185 7, sucedeu na pasta da Justiça ao 1.º Visconde do Freixo (Vicente Neto de Paiva), e em Março de 1858, na mesma Secretaria de Estado, sucedeu a José Silvestre Ribeiro... Os vates produziram nova versalhada que alguém meteu na caixa dos requerimentos que Dom Pedro V tinha mandado colocar no átrio do Paço das Necessidades. . . 

O António Zé da Vila, 
a inteligência castiça 
que tudo, tudo assimila, 
vai outra vez p'r'á Justiça !. . . 

O António Zé da Vila, 
de medalhas o chupão, 
põe as comendas em fila 
no brilhante fardálhão . . . 

O António Zé da Vila, 
que é amigo do Talone, 
para a comenda s'engrila. . . 
a comenda de Cambronnef. . . 

Não o largaram com chufas algumas bem injustas!... Mas se isto é já pecha portuguesa, não temos, portanto, muito que estranhar!... Há de haver fatalmente no Parnaso, além das nove musas, uma cidadã trocista que inspira a poética epigramática portuguesa.., Apolo, chefe daquela tropa, e, segundo Camões, dispensador de graças aos portugueses, não faltou, com certeza, com uma inspiradora à troça dos costumes lusitanos, o que já vem do tempo antigo das conquistas e navegações, como se vê da leitura dos cartapácios antigos. . . 

A sátira substituiu um pouco as arremetidzis de capa e espada, estas, às vezes, menos sangrentas que aquelas.

Poderam os inimigos do Duque de Ávila ter dito enormidades, injustiças e propalado versos; o que é facto, porém, é que o filho do humilde sapateiro da Ilha do Fayal não foi nulidade, como muitas que, depois, e até no seu tempo, foram elogiadas desmarcadamente ! Cometeu erros políticos, porém não tantos como os seus antagonistas; diligenciou acertar e prestou grandes serviços. Outros, com menos predicados, vemos exalçados, quando, afinal, não fizeram nem a décima parte do que ele fêz!... 

A História Política do nosso País foi sempre assim feita!... O homem das condecorações, como lhe chamavam, não cometeu indignidadesl. . . Serviu a sua gente, como êle dizia, cofiando as suíças; serviu a regedoria e distribuiu as postas para ter correligionários e amigos!... 

Não é, afina), o que faizem todos esses anjos dos grandes céus políticos da Europa, Ásia, África. Américais e Oceania? 

(1) António José de Ávila. Nasceu na Ilha do Faial, em 8 de Março de 1806, e faleceu em Lisboa, no dia 3 de Maio de 1881. Casou com D. Emília Hegnauer, austríaca.

* * *

Leia o livro na íntegra na Internet Archive [clique aqui para abrir nova janela]

Transcrito de
Júlio de Sousa e Costa, "XIV - O Homem das Condecorações" in: O segrêdo de Dom Pedro V (1837-1861), Romano Torres, Porto. pp. 148-153

Imagem
Retrato do Duque d’Ávila e Bolama - Miguel Ângelo Lupi, 1880 (Museu Nacional de Arte COntemporânea, Lisboa. Wikicommons: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Retrato_do_Duque_d%E2%80%99%C3%81vila_e_Bolama_-_Miguel_%C3%82ngelo_Lupi,_1880.png 

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Paranhos, o monte das Medalhas (Porto, 29 de Setembro de 1832)


A defesa desesperada do monte de Paranhos, nas acções de 29 de Setembro de 1832, por entre toda a linha, alterou a toponímia do Porto, ainda que por algum tempo. O monte de Paranhos passou a ser chamado de monte das Medalhas, no atual Monte Pedral, em Paranhos . O coronel Soares Luna escreve sobre isso nas suas memórias, assim como a terrível luta que se manifestou nesse dia:

«[…] Continuo a mencionar os actos de valor que no dito memorável dia 29 de Setembro de 1832 presenciei. O inimigo, que incontestavelmente carregou com a maior parte das suas forças a direita da nossa linha, não foi contudo menos audaz em frente do Carvalhido , no empenho que mostrou (durante o ataque na direita) em tomar o monte de = Paranhos = chamado depois = O monte das Medalhas = posição de que se apossou e da qual foi desalojado; que tornou a ocupar , donde novamente foi expelido ; que por terceira vez tomou a ganhar praticados pelos nossos bravos Infantes, pelo aturado e mortífero fogo das peças do meu comando, bem como pelo bem dirigido fogo de artilharia dirigido da bateria da Gloria, o que tudo contribuiu para que o inimigo jamais pudesse estabelecer-se no dito monte.

Repito, o inimigo ali não foi menos atrevido ; mas igualmente foi rechaçado como então o foi na direita da nossa linha. Muitos dos nossos bravos valorosamente expiraram naquele dia do distinto Corpo do meu comando, nós tivemos a lamentar a morte dos valentes Académicos N.° 5 Furriel José da Costa Duarte, Soldado N.° 60 Joaquim Pedro Damásio, dito N.° 129 Francisco Pinto de Resende Sá da Bandeira, mortos no monte que tão disputado foi ; e que como fica dito, passou a ser chamado = o Monte das medalhas = alusivo ás condecorações que se deram aos bravos que tão denodadamente o tomaram, retomaram , e sustentaram. —

Quando no meu ponto assim nós defendíamos a direita da nossa linha estava sendo fortemente atacada ; mas em toda a parte o valor do homem livre fez prodígios. Cansado o inimigo de perder gente vergonhosamente desistiu do ataque, retirando-se na mais completa desordem , depois de haver perdido mais de cinco mil homens, duas peças de artilharia , e um obús, tudo de campanha , deixando ao mesmo tempo alguns prisioneiros.»


* * *

Nota
De acordo com a Lista Geral de Officiaes do Exército Libertador (Lisboa, 1835), e por Decreto de de 3 de Outubro foram atribuídas as seguintes Ordens da Torre e Espada, referentes decerto a esteve evento, mas também a outros antes em várias partes das linhas:

Oficiais: 17
Cavaleiros: 48

Fonte
João Pedro Soares Luna, Memorias Para Servirem à Historia dos Factos de Patriotismo e Valor Praticados pelo Distincto e Bravo Corpo Académico que fez Parte do Exercito Libertador, Typographia Lisbonense, Lisboa, 1837. pp. 231-233

sábado, 13 de junho de 2020

Transcrição: A génese da Ordem da Torre e Espada (1808)



A seguinte transcrição é de uma carta não data a e anónima, dirigida ao Príncipe Regente D. João. Apresenta uma proposta de criação de ordem civil, que vem a ser a Ordem da Torre e Espada, apresentando a Ordem da Espada, criada por D. Afonso V a usar.
Pelas pistas cronológicas encontradas no texto, a carta terá sido escrita em Salvador, nos inícios de 1808 quando D. João lá aportou após sair de Lisboa perante a ameaça francesa. O autor refere que só no Rio de Janeiro se deverá oficializar a Ordem, indiciando que a corte estava ainda em Salvador.
Apesar de não haver pistas quanto à autoria, gostaria de deixar aqui um forte candidato, D. António Araújo de Azevedo, não só por ascender ao governo nesta altura e às graças do príncipe, mas também por ser membro de uma organização europeia de cavaleiros de Ordens. Não sei se foi ele, mas é, sem dúvida, uma forte possibilidade.

«Crear huma Ordem nova fóra de occazião, sem haver para que não me atrevera a aconselhar a S. A. R. muito mais circunstâncias de mil embaraços em que se devem fazer grandes coizas, como já se tem feito algumas, mas somente as necessárias. Com tudo porem he precizo confeçar que logo que S. A. R. se visse precizado por huma total e indespençavel necessidade a condecorar algums Estrangeiro com esta qualidade de Merce, não podendo conferir-lhe nenhuma das 3 Ordens Militares establecidas, por ser de diferente comunhão, não haveria outro remedio se não o de instituir de novo huma Ordem civil. Ora para o fazer de proposito com o fim de premiar hum homem só, sêria precizo que este tivesse feito relevantes serviços. Era portanto para dezejar que o Comandante da unica Nau Ingleza que teve o feliz successo de nunca largar S. A. R. e que alias tem feito todo o possivel por lhe agradar, se contentasse com huma boa Joia, principalmente com o retrato do Principe, com que se costumão contentar os maiores Generaes.

Porem esta condescendencia não está na Mão de Sua Alteza Real. No cazo que não possa vencer-se sem grande desconsolação, supostas algumas antecendencias, ou mexericos, resta ver e pezar se convem descontentar este Official e aos mais da Marinha Ingleza por huma coiza que se poderá fazer mais pequena do que parece à primeira vista: e se o Coração de S. A. R. que se acha empenhado em fazer Mercê a este homem que salta de contente por levar huma distinção daquelle genero, e regeita tudo o mais, consentirá em que se uze com elle de hum rigor ou escrupulo demaziado. O qual talvez seja fóra de occazião o negar-se-lhe, e muito proprio conceder-se-lhe h'uma epoca tal, que obriga de necessidade a olhar muito para a sua e nossa Marinha.

Por ventura hade ser o Principe o unico Soberano que não póssa dár huma Ordem a quem muito quizer, não tendo nenhuma que dar a algumas Pessoas, como succede com este Comandante, que não tem a felicidade de ser Catholico Romano. E quantas occaziões destas aparecerão daqui por diante. Deve pois fazer como os mais Principes fazem, e constituir huma de novo, que seja apta para todos.

Hé por tanto de considerar como se hade instituir huma Ordem, que aproveite para o futuro, e que sirva para o cazo presente, sem parecer que se fez de proposito por amor de hum só homem, que não tem feito serviços para tanto, mas sim em favor da nossa Marinha em huma epoca em que a Marinha Portugueza talvez seja a mais util e necessaria do que serão as Tropas de terra. E que a primeira pedra sua creação seja lançada na Bahia, por ser a primeira terra do Brazil aonde S. A. R. aportou, considero muito a proposito.

Não importa, antes hé muito conveniente que se não complete esta obra desde logo, e que se vá aperfeiçoar ao Rio de Janeiro para não acuzar pressa e ligeireza. Basta que a data da sua creação seja da Bahia, e que se anuncie já qual hade ser a venera com a sua legenda e exergua: Se se podesse aqui fundir na caza da Moeda em tão poucos dias, sêria de estimar, quando não se aprezentando-se o desenho a S. A. R., e sendo por elle approvado, está feito tudo quanto hé necessario.

Para dar tom a esta Ordem, sem o qual não póde ter a estimação devida, seria precizo fazer logo hum General do Mar, com a Patente que tiverão o Senhor D. João e o Marquez de Angeja, assentando bem este grande Posto na Pessoa do Duque do Cadaval, principalmente nas actuaes circunstancias, e para o fim de se lhe conferir esta Ordem em primeiro lugar do que a todos. Segue-se depois o Vice Almirante, que teve a honra de acompanhar S. A. R.: o 3.º deve ser o Cappitão da unica Nau Ingleza que acompanhou S. A. R. a este Porto. No Rio de Janeiro se regulará dahi por diante tudo o mais que lhe pertencer.

Não pode haver coiza mais simples nem mais abreviada para não cauzar espanto, com tudo eu ainda insisto em que melhor sêria contentar o Inglez, se fosse possivel por bons modos, com o retrato de S. A. R.; principalmente achando votos contrarios negativos, que quazi sempre são os melhores e mais seguros. Não dezejo que se siga o meu conselho quando hé solitario.

Fundo-me porem em que todos os Principes tem Ordens para darem a Estrangeiros: Que o corpo da Marinha Portugueza, principal objeto desta Instituição, merece ser muito considerado. Que não só se deve ganhar o Governo de Inglaterra, mas as Pessoas que vierem ajudar-nos: Que o modo que tenho declarado, e porque entendo se deve isto fazer, não hé de muito aparato: E finalmente, que não hé a 1.ª Ordem Civil que se inventou neste Reybo, porque El Rey D. Affonso 5.º chegou a formalizar huma Ordem chamada da Espada, como se póde ver na Historia Geneologica de Souza, tomo 3.º, pag. 6.ª; cuja exergua se deve aproveitar agora por memoria antiga, suposto que não hé muito feliz, mas a repetição val nestes cazos.

E sobre tudo seguro-me mais em que me foi ordenado por S. A. R.; que visse se se podia descobrir algum caminho para o cazo que se propunha, e não achando outro de menos espinhos, satisfaço com apontar em duvida e com temor, aquelle que me lembra: fala o coração, e o dezejo de livrar a S. A. R. de hum embaraço que o aflige, e o entendimento suposto duvida, não repugna pelas razões que tenho declarado.»



Fonte
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Manuscrito, II-31,03,002 - Manuscritos (cota: mss1289260)

A versão digitalizada do manuscrito pode ser vista em http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.html .

segunda-feira, 2 de março de 2020

Medalha Comemorativa: D. Pedro V - Expedição de Angola 1860


Medalha de D. Pedro V

Criada a 15 de Abril de 1862, para comemorar a campanha de Angola, que decorreu entre 1859 e 1860 no norte dessa província, nomeadamente a forte expedição que partiu do Continente e de Moçambique, mas também algumas forças do exército colonial. Em causa estava a sucessão do reino do Congo, com o epicentro em S. Salvador do Congo, hoje Mbanza Kongo.

Era entregue em grau ouro aos chefes de força, em grau prata aos restantes oficiais, e em cobre aos sargentos e praças. 

Na foto de topo a condecoração é a grau Ouro atribuída ao capitão tenente Baptista de Andrade (1811-1902), chefe de uma das colunas do exército durante a campanha, em exposição no Museu da Marinha. Recomendo fortemente uma visita a este excelente museu [visite].

Grau Cobre, anverso.
A medalha foi desenhada por Augusto Fernando Gerard, importante gravador e artista que pode conhecer melhor Aqui. De notar a assinatura "A.F.G. F[ecit]" na base da éfige.



A fita era originalmente para ser azul ferrete, como ficou, com as margens em branco. No entanto, para não ficar igual à medalha das Campanhas da Liberdade, alterou-se para dourado.

Ainda na sua criação em lei, o ano a colocar no reverso era 1859, mas foi corrigido para 1860, conforme se pode ver nas duas leis que criaram e regulamentaram a condecoração.

A fita recebe ainda, como é frequente na falerística portuguesa, uma fivela com o metal relativo ao grau correspondente.


Grau Cobre, reverso.

Textos de lei que instituem a medalha e correção posterior:


Considerando de manifesta utilidade e reconhecida justiça honrar os serviços prestados à pátria, e perpetuar a memoria dos sacrifícios feitos pela nação ; Considerando que por esta forma se estimulam as nobres aspirações e os brios generosos; Considerando digna de especial menção e recompensa a expedição enviada a Angola no ano de 1859, assim pela arriscada crise em que se realisou, como pelas funestas consequências que preveniu: hei por bem, dando execução ao expresso pensamento de meu muito amado e sempre chorado irmão o Senhor Rei D. Pedro V, de abençoada memoria, instituir uma medalha comemorativa da dita expedição, que se denominará — Medalha de D. Pedro V —, e será distribuída a todos os indivíduos que na mesma expedição tomaram parte, qualificados estes em três classes; chefes de forças, oficiais e praças de pré, marinhagem ou tropa : devendo aos primeiros competir a medalha cunhada em ouro, aos segundos em prata, e aos terceiros em cobre; e devendo mais a referida medalha, que de um lado terá a effigie de Sua Majestade o Senhor D. Pedro V, e do outro a letra — Expedição de Angola: 1859ser usada pendente de fita azul escuro, orlada de branco. O ministro e secretario de Estado dos Negócios da Marinha e ultramar assim o tenha entendido e faça executar. Paço em 15 de Abril de 1862. — REI — José da Silva Mendes Leal.
*


Considerando indispensável rectificar a data que entra na letra da medalha de D. Pedro V, comemorativa da expedição de Angola, e instituída pelo decreto de 15 de Abril do corrente ano, pois que a expedição referida se efetuou no ano de 1860; Considerando também conveniente alterar a ordenança das cores na fita da mesma medalha, para que não possa confundir-se com a denominada de D. Pedro e D. Maria, criada por decreto de 16 de Outubro de 1861 : hei por bem determinar: primeiro, que a letra da medalha de D. Pedro V, exarada no precitado decreto de 15 de Abril do corrente ano, seja substituída: — Expedição de Angola: 1860 — ; segundo, que a fita correspondente seja de cor azul ferrete, orlada de amarelo. O ministro e secretario de Estado dos negócios da marinha e ultramar assim o tenha entendido e faça executar. Paço em 12 de Junho de 1862. — REI — José da Silva Mendes Leal.

domingo, 1 de março de 2020

Colecção Documental relativa ao Patrão Joaquim Lopes (1865)


A seguinte é uma transcrição de uma extensa colecção de documentos e transcrições de imprensa todas elas relativas ao Patrão Joaquim Lopes (1799-1890) que foi apresentada à Câmara dos Deputados em 1865, por forma a tentar obter justiça.
Decidi manter a ortografia da época, mas faço pequenas anotações ou alteração de cor onde considero ser relevante chamar a atenção. O próprio texto guia o leitor para os cerca de trinta documentos apresentados.

Conjunto de condecorações atribuídas a Joaquim Lopes e referidas nesta coleção, por ordem de data de outorga:

- Medalha de Mérito 1.º Classe, ouro, Real Sociedade Humanitária do Porto [20.4.1956]
- Medalha de Mérito, Filantropia e Generosidade, prata [15.12.1856]
- Sea Gallantry Medal (Foreign Services), prata [1856] - GRÂ BRETANHA
- Medalha de Mérito 2.º Classe, prata, Real Sociedade Humanitária do Porto [19.4.1857]
- Médaille d’honneur pour acte de courage et de dévouement, prata [8.3.1859] - FRANÇA
- Medalla de Honor ('Premio al Valor Marinero'), ouro [15.3.1862] - ESPANHA
- Cavaleiro da Antiga e Mui Nobre Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito [3.3.1862]

- Sea Gallantry Medal (Foreign Services), ouro [não há referência a data] - GRÂ BRETANHA

* * *

«Por deliberação da camara dos senhores deputados, tomada em sessão de 27 de março corrente [1865], se publicam os seguintes documentos.

Senhores deputados da nação portugueza. — Joaquim Lopes, patrão do bote Salva Vidas, estabelecido em Paço de Arcos, vem perante os representantes da nação reclamar contra a injustiça com que o governo de Sua Magestade ha premiado os serviços relevantes que o supplicante, no exercicio do seu cargo, prestou não só ao paiz, mas aos estrangeiros.
O supplicante serviu, desde 1820 a 1833, como remador da falua do Bugio. Em 1833, por eleição dos seus camaradas, foi nomeado patrão da mesma falua, e por portaria de 7 de novembro de 1856 foi igualmente encarregado do commando do bote Salva Vidas, estabelecido em Paço de Arcos (documentos n.° 1 e 2).

Pelos serviços que o supplicante prestou, tem recebido as seguintes distincções honorificas:

Em 24 de março de 1856 — Foi condecorado pela sociedade humanitaria do Porto, com a medalha de oiro, e nomeado seu socio benemerito (documento n.° 3). 
Pelo governo de Sua Magestade a Rainha Victoria, com a medalha de prata. [a Sea Gallantry Medal (Foreign Services)]
Em 15 de dezembro de 1856 — Por decreto de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Pedro V. com a medalha de prata (documento n.° 4). [a Medalha de Mérito, Filantropia e Generosidade, Prata]
Em 7 de abril de 1857 — Pela real sociedade humanitaria [do Porto], com a medalha de prata (documento n.° 5).
Em 1858 — Por Sua Magestade a Rainha Victoria, com a medalha de oiro.
Em 19 de janeiro de 1859 — Por Sua Magestade o Imperador Napoleão III, com a medalha de honra de prata (documento n.° 6). [a Médaille d’honneur pour acte de courage et de dévouement]
Em 23 de maio de 1859 — Por deliberação do centro promotor:
1.° Que o seu retrato se collocasse na sala do centro;
2.° Que a inauguração se fizesse em sessão especial;
3.° Que lhe fôra conferido por acclamação o logar de socio (documento n.° 7).
Em 3 de março de 1862 — Pela propria mão de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I, com o grau de cavalleiro da Torre e Espada (documento n.° 8).
Em 5 de abril de 1862 — Por Sua Magestade a Rainha de Hespanha, com a medalha de oiro (documento n.° 9). [a Medalla de Honor "Premio al Valor Marinero"]

A maneira por que o supplicante ganhou estas medalhas, a justiça com que ellas lhe foram conferidas, os riscos que correu para salvar tantas victimas, algumas das quaes arrancou ao Oceano semi-mortas, não é o supplicante que o ha de dizer, mas sim os documentos n.ºs 10 a 29, que constam de dois attestados e dezesete jornaes portuguezes, de todas as côres politicas, e que o supplicante offerece á vossa illustrada consideração. Conta hoje o supplicante perto de sessenta e quatro annos de idade.
As fadigas, os perigos, os maus tratos que o mar lhe tem feito, e os annos começam a tornar-lhe difficil o serviço de que se acha encarregado, e no qual conta quarenta e tres annos dedicados ao estado.

Julgou o supplicante que, por taes serviços, tinha direito a uma retribuição, e a emprego menos violento e arriscado, senão a uma reforma, como acontece, e se dá, em todas as classes de servidores do estado.
Para isso, se o supplicante não tivesse o juizo de sua consciencia, e dos Soberanos que o condecoraram, e dos seus concidadãos, publicados, sem contradictor até hoje, pela imprensa do seu paiz, bastava-lhe a portaria com que o governo de Sua Magestade pretendeu remunerar estes serviços; diz ella:

«Inspecção do arsenal da marinha — 1.ª direcção, 2.ª repartição. — Sua Magestade El-Rei, querendo dar mais uma prova de consideração a Joaquim Lopes, patrão do barco Salva Vidas, pertencente á repartição da marinha, pelos relevantes serviços, que por vezes tem prestado; arrancando ao furor das ondas muitos naufragos, que infallivelmente seriam victimas se não fôra o denodo e valentia d'aquelle destemido maritimo, que por seu comportamento, essencialmente humanitario, merecera a munificencia de El-Rei, e de alguns outros Soberanos: manda, pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, participar ao conselheiro inspector geral do arsenal da marinha, para sua intelligencia e execução, que ha por bem conceder ao referido maritimo Joaquim Lopes a graduação de segundo mestre da armada, sem direito algum a entrar no quadro dos officiaes marinheiros da mesma armada nem ao vencimento respectivo.
«Paço, 27 de setembro de 1862. = José da Silva Mendes Leal.» (Documento n.° 29.)

O supplicante ganhava apenas 400 réis diarios, que lhe não bastavam para se uniformisar e vestir na classe a que esta portaria o elevára.
Requereu por isso ao governo, e foi-lhe mandado abonar mais 100 réis de gratificação, tendo actualmente o supplicante 500 réis diarios. É pois contra esta mesquinha gratificação que o supplicante vem reclamar perante vós, senhores deputados da nação portugueza, que não querereis de certo, reconhecendo, como o governo reconheceu, os direitos do supplicante a uma recompensa, conferir-lhe honras que lhe augmentam a miseria; que não querereis, se reconhecerdes, como o governo reconheceu, os perigos e riscos a que o supplicante se expoz para salvar victimas naufragadas, negar-lhe meios para viver os ultimos dias de uma vida, que consagrou ao serviço publico, e durante o qual honrou o seu paiz, e bem mereceu da humanidade.
Pede portanto que, no respectivo orçamento, lhe seja votada uma pensão que julgardes de justiça. = E. R. M.ce
Lisboa, 3 do fevereiro de 1863. = Segundo mestre graduado, Joaquim. Lopes, patrão do Salva Vidas.

* * *


Documento n.° 1
[Nomeação como Patrão]
Em consequencia da portaria que do ministerio da marinha me foi dirigida, em data de 7 do corrente, nomeio a Joaquim Lopes, patrão da falua da torre do Bugio, para igualmente servir como patrão do bote Salva Vidas, que o governo mandou vir de Inglaterra, destinado a soccorrer os navios em perigo na barra de Lisboa e salvar os naufragos; e n'este logar de patrão terá o vencimento de 400 réis diarios, com a obrigação de executar pontualmente as instrucções, que fazem parte da presente nomeação, e inclusas se lhe remettem.
Arsenal da marinha de Lisboa, em 22 de novembro de 1859. = Francisco Antonio Gonçalves Cardoso, inspector.

* * *

Documento n.° 2
Instrucções para regular as obrigações, responsabilidade e serviço do patrão da falua Bugio, Joaquim Lopes, que, em portaria do ministerio da marinha, datada de 7 de novembro de 1859, foi igualmente nomeado patrão do Salva Vidas, destinado a dar soccorro aos navios em perigo na barra d'este porto de Lisboa, e salvar os naufragos.
1.ª O patrão, logo que se conclua o barracão que provisoriamente se mandou fazer em Paço d'Arcos para arrecadação do bote Salva Vidas, tratará de remover o dito bote do telheiro das galeotas, onde se acha, para o barracão em Paço d'Arcos.
2.ª Receberá por inventario o mesmo Salva Vidas e seus pertences, que fica debaixo da sua guarda e responsabilidade, cujo inventario será feito (em duplicado) pelo escrivão do primeiro deposito d'este arsenal, ficando uma copia na mão do patrão e a outra no deposito competente, que será assignada pelo dito patrão, como prova de que recebeu todos os objectos descriptos no referido inventario.
3.ª E da obrigação do patrão tratar cuidadosamente da conservação do bote Salva Vidas e seus pertences, para que estes não só estejam sempre em estado de servirem, como para que se não estraguem por falta de cuidado e limpeza.
4.ª Para o coadjuvar n'este serviço terá uma pessoa competente, a quem se pagará pelo arsenal 200 réis diarios, dando-se ao patrão a garantia da escolha e de o poder substituir por outro, quando veja que o existente não desempenha cabalmente os seus deveres.
5.ª Ficando ao patrão a responsabilidade do Salva Vidas, é a elle que cumpre fazer quaesquer requisições ao arsenal dos objectos que precisar para a boa execução do serviço que tem a desempenhar, e mesmo renovar os que se damnifiquem pelo uso.
6.ª Quando se dê o caso de sinistro na barra fica á cargo do patrão, sem dependencia de ordem alguma, o engajar immeditamente a campanha que ha de tripular o bote Salva Vidas, e partir sem demora para o ponto onde for necessario o soccorro, o qual prestará da melhor fórma que for possivel, em vista das circumstancias que se apresentarem.
7.ª O patrão, logo que acabe o trabalho do soccorro que for dar, fará uma relação nominal da gente que engajou, declarando ao lado de cada nome a quantia que julga merecer pelo serviço que prestou, tendo a recommendar ao patrão toda a circumspecção e imparcialidade n'este arbitrio, visto que todos têem obrigação de zelar os interesses do estado.
Arsenal de marinha, 22 de dezembro de 1859. = Francisco Antonio Gonçalves Cardoso, inspector.

* * *



Documento n.° 3
[Medalha de Mérito de 1.ª classe, R. S. H. do Porto]
Real sociedade humanitaria, instituida no Porto a 15 de abril de 1852, para a salvação de pessoas em naufragios, nas gostas ao norte e sul da barra do Porto, desde Caminha até Aveiro inclusivè, e no rio Douro, e em epidemias, incendios, inundações, e outras similhantes calamidades que sobrevierem n'esta cidade, e suas immediações, debaixo da protecção de Suas Magestades Fidelissimas, sendo presidentes perpetuos Sua Magestade El-Rei D. Pedro V. e Sua Alteza Serenissima o Senhor Infante D. Luiz, Duque do Porto; e vice-presidente nato s. ex.ª o bispo do Porto, na sessão dpi direcção, de 24 de março de 1856, sendo presidente o commendador Manuel de Clamouse Browne.
Foi resolvido unanimemente que, tendo dispertado a maior admiração da direcção d'esta real sociedade, a extraordinaria bravura, abnegação louvavel, perseverança, e heroica philanthropia do honrado ancião Joaquim Lopes, de Paço de Arcos, o qual, sabendo do desastroso naufragio no Alpeidão junto á torre do Bugio, da escuna ingleza Primrose, desprezou todos os perigos de um temporal desfeito, e de um mar pavoroso, e animou seus companheiros a dirigir-se ao perigoso sitio para salvar os naufragos que se achavam agarrados ás enxárcias, sendo o barco que governava o unico que a tanto se atrevesse; e vendo o heroico Joaquim Lopes, que a sua fragil embarcação não podia galgar os rochedos que a separavam do naufragio, voltou para Paço de Arcos em busca de um barco mais ligeiro, o que conseguiu para logo voltar em soccorro dos naufragos com uma coragem só inspirada de Deus, animando seus companheiros com palavras edificantes, e não desistindo da temeraria empreza, quando mesmo já nada mais se avistava do navio, que se havia despedaçado, e conseguindo por este modo salvar os tripulantes da dita escuna (ao cabo de muitas horas), e que a Divina Providencia protegera, agarrados ainda aos restos fluctuantes do naufragio; factos tão notaveis e extraordinarios deram pleno direito ao dito Joaquim Lopes, alem da nomeação de socio benemerito, á medalha honorifica de oiro, a maior distincção com que esta pia instituição galardoa os actos heroicos e virtuosos, praticados para salvação do nosso similhante, e que é hoje solemnemente entregue ao dito Joaquim Lopes, em sessão plena.
E eu Eduardo Moser, 1.° secretario da real sociedade humanitaria, o fiz, subscrevi e assignei.
Porto, aos 20 dias do mez de abril de 1856. = Antonio, bispo do Porto, vice-presidente = Manuel de Clamouse Browne, presidente da direcção = Barão de Massarellos, vice-presidente = Eduardo Moser = Antonio Augusto Soares de Sousa Cirne, 2.° secretario = J. de Amorim Braga, 3.° secretario = Francisco de Assis Sousa Vaz, 4.° secretario = Francisco de Assis da Silva e Amaral = Alvaro Ferreira Carneiro de Vasconcellos Girão = José Maria Rebello Valente = Joaquim José Gomes Monteiro = José Pereira Reis = Joaquim Velloso da Cruz = João Paulino Vieira = José do Azevedo Pereira e Silva.
Entregue em Lisboa, pelo ex.mo sr. conde da Ponte, governador civil do districto, com assistencia dos delegados da real sociedade humanitaria, em 26 de junho de 1856. = Conde da Ponte = Conde de Terena = Antonio Correia Caldeira = Conde do Bulhão = José Pedro de Barros Lima = D. Francisco de Paula Pimentel de Brito do Rio = M. A. Vianna Pedra = Francisco de Oliveira Chamiço, thesoureiro da real sociedade humanitaria = Ricardo Van Zeller Joaquim José Gomes Monteiro.
N.° 60. Registado. = Moser, secretario. (Continua.)

[Página 867]
Por deliberação da camara dos senhores deputados, tomada em sessão de 27 de março corrente, se publicam os seguintes documentos
(Continuado do numero antecedente)

* * *



Documento n.° 4
[Medalha de Prata de Mérito, Filantropia e Generosidade]
Ministerio do reino — Secretaria geral — 2.ª Repartição. — Por decreto de Sua Magestade de 15 de dezembro de 1856 — Sua Magestade El-Rei, attendendo aos relevantes serviços que o patrão da falua da torre de S. Lourenço da Barra, Joaquim Lopes, tivera occasião de prestar para o salvamento da tripulação da escuna ingleza Primrose, que naufragara no dia 16 de fevereiro de 1856 á entrada do porto de Lisboa; e querendo dar um publico testemunho do apreço em que tem este acto generoso e humanitario, praticado debaixo de immenso perigo e com distincto denodo e coragem: ha por bem, annuindo á proposta do ministro e secretario d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, fazer mercê ao mencionado maritimo da medalha de prata, para distincção e premio concedido ao merito, philanthropia e generosidade.
Pelo que ordena ás auctoridades, a quem o conhecimento d'este diploma pertencer, que o cumpram e guardem como n'elle se contém, deixando o agraciado usar livremente da mencionada medalha de distincção.
Não pagou direitos de mercê nem de sêllo por os não dever.
E para sua salva e guarda se lhe passou a presente portaria, que vae sellada com o sêllo das armas reaes.
Paço, em 18 de dezembro de 1856. = J. G. da Silva Sanches.

* * *

Documento n.º 5
[Medalha de Mérito de 2.ª Classe, R. S. H. do Porto]
Real sociedade humanitaria instituida no Porto a 15 de abril de 1852, para a salvação de pessoas em naufragios, nas costas ao norte e sul da barra do Perto desde Caminha até Aveiro inclusivè, e no rio Douro; e em epidemias, incendios, inundações, e outras similhantes calamidades, que sobrevierem n'esta cidade e suas immediações; debaixo da protecção de Suas Magestades Fidelissimas El-Rei o Senhor D. Pedro V e El-Rei o Senhor D. Fernando. Presidente perpetuo Sua Alteza o Serenissimo Senhor Infante D. Luiz, Duque do Porto, e vice-presidente nato s. ex.ª o bispo do Porto. Na sessão da direcção de 7 de abril de 1857, sendo presidente o commendador Manuel de Clamouse Browne:
Foi resolvido unanimemente que o corajoso e humano comportamento de Joaquim Lopes, patrão da falua do Bogio em Paço de Arcos (já nomeado socio honorario d'esta instituição, por um igual acto de dedicação), salvando a nado no dia 27 de março de 1856 mm tomem que se adiava debaixo de uma canoa, que a braveza do mar virara, e retirando-o de tão imminente perigo com os sentidos perdidos, tornou digne o dito Joaquim Lopes da medalha de merito de 2.ª classe, com que esta real sociedade premia os actos de abnegação e generosidade, praticados para salvação do proximo, e que lhe é solemnemente entregue hoje na cidade do Porto, em sessão plena de 19 de abril de 1857. E eu, Eduardo Moser, 1:° secretario da real sociedade humanitaria, a subscrevi e assignei. = Antonio, bispo do Porto, vice-presidente = O presidente da direcção, Manuel de Clamouse Browne = Barão de Massarellos, vice-presidente = E. Moser, 1.° secretario = Antonio Augusto Soares de Sousa Cirne = O conselheiro, Placido Antonio da Cunha e Abreu = José Maria Rebello Valente.
N.° 68 — Reg. = Moser, secretario.

* * *

Documento n.º 6
[Médaille d’honneur pour acte de courage et de dévouement, Prata, França]
Marine Imperiale — Le ministre secretaire d'etat au département de la marine et des coloiaies. — Certifie que, par un décret en date du 19 Janvier 1859, l'Empereur a décerné une médaille d'homneur en argent au Sª Joachim Lopez, patron de barque portugaise, pour avoir sauvé, le 16 novembre 1858, l'équipage du brick la Stephanie, de St Malo.
París, le 8 mars 1859. = Par le ministre, le directeur de l'administration, Rouffio.

* * *

Documento n.° 7
Centro promotor — N.° 13 — Ill.mo sr. — Sendo presentes ao centro promotor, pelo seu digno associado, o sr. Francisco Augusto Nogueira da Silva, os importantes e inexcediveis serviços prestados por v. s.ª em beneficio da humanidade nos arriscados lances em que muitos nacionaes e estrangeiros se têem encontrado quando impellidos a sulcar as aguas do mar; e querendo o centro dar um testemunho assas significativo do apreço em que tem similhantes serviços, resolveu em sessão de assembléa geral de 23 do corrente:
1.° Que, por concessão de v. s.ª, se collocasse o seu retrato n'uma das salas do centro;
2.° Que esta inauguração tivesse logar em sessão especial;
3.° Que para singularisar mais os elevados dotes de valor e de humanidade que v. s.ª possue, fosse por acclamação considerado socio do centro;
4.ª Que ao remetter o respectivo diploma, a mesa participasse a v. s.ª, que a sua admissão havia sido apoiada enthusiasticamente pela assembléa.
Cumprindo-me portanto transmittir a v. s.ª a deliberação da assembléa geral do centro promotor, permitta v. s.ª que da minha parte ajunte tambem que é com indizível satisfação que desempenho este dever.
Deus guarde a v. s.ª Sala das sessões do centro promotor dos melhoramentos das classes laboriosas, 28 de maio de 1859. — Ill.mo sr. Joaquim Lopes, digno patrão da falua do Bugio. = O secretario, José Antonio Vias.

* * *

Documento n.° 8
[Cavaleiro, Antiga e Mui Nobre Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito]
Attendendo aos distinctos serviços que Joaquim Lopes, patrão do escaler Salva Vidas do arsenal da marinha, ultimamente prestou, no salvamento da tripulação do brigue, hespanhol Achilles, naufragado na barra de Lisboa, havendo já em outras occasiões feito iguaes serviços em soccorro de muitos naufragos, sempre com reconhecido valor e humanidade: hei por bem fazer mercê ao mencionado Joaquim Lopes de o nomear cavalleiro da antiga e muito nobre ordem da Torre e Espada do valor, lealdade e merito.
O ministro e secretario d'estado dos negocios do reino assim o tenha entendido e faça executar. Paço de Caxias, em 3 de março de 1862. = REI. = Anselmo José Braamcamp. (Diario de Lisboa n.°, 93, de 1862.) 

* * *

Documento n.° 9
[Medalla de Oro, Espanha]
El ministro de marina — Don Juan de Zavala y de la Puente. — Por cuanto Don Joaquin Lopez, patron del salva-vidas português Paço d'Arcos, ha sido condecorado por real resolucion de 15 de marzo de 1862, con la medalla de oro creada por reales ordenes de 15 de abril y 13 de noviembre de 1858, por el humanitario ausilio que presto con evidente esposicion de su vida á los tripulantes dei bergantin español Aquiles, en ocasion dei naufragio de este buque en la embocadura dei rio Tejo el dia 19 de febrero dei corriente ano: ha venido la Reina Doña Isabel II en mandar que se le expida el presente diploma para que pueda usar la expresada condecoracion.
Dado en Madrid, el dia 5 de abril de 1862. — Zavala.

* * *

Documento n.° 10
[Salvamento, 1856]
Ill.mo sr. administrador do concelho. — Diz Joaquim Lopes, patrão da falua do serviço da torre de S. Lourenço da Barra, que elle precisa que v. s.ª lhe atteste, de maneira que faça fé, em como no dia 27 de março ultimo, pelas seis horas da tarde, fóra elle supplicante quem salvara a Joaquim Lopes, homem de uma canoa que serve as moletas de pesca, que demandam o porto de Paço de Arcos, que tendo-se soltado esta de quilha para o ar, em consequencia do grande mar que n'esse dia havia, ficára debaixo d'ella? a não ser a grande coragem e resolução do supplicante que, lançando-se ao mar fia muralha do caes da Saude, pôde conseguir tira-lo debaixo d'ella, a quem nunca mais largou, não obstante ter sido por algumas vezes arremessado pelas ondas aos (rochedos da praia da Sardinha, com perigo imminente de sua vida; e a não ser este acto de heroismo teria aquelle desgraçado perecido nas ondas; e portanto pede a v. s.ª que assim lhe atteste — E. R. M.ce — Paço de Arcos, 26 de dezembro de 1856. = Joaquim Lopes, patrão.
José Hyppolito de Almeida administrador do concelho de Oeiras, por Sua Magestade El-Rei, que Deus guarde, etc.
Attesto que me consta, por pessoas fidedignas do logar de Paço de Arcos, ser verdade tudo quanto o supplicante Joaquim Lopes, patrão da falua do serviço da torre de S. Lourenço da Barra, expõe em seu requerimento.
E para constar, e me ser pedido, mandei passar o presente, que assigno.
Administração do concelho de Oeiras, 30 de dezembro de 1856. = José Hyppolito de Almeida. (Continua.)

[Página 880]
Por deliberação da camara dos senhores deputados, tomada em sessão de 27 de março corrente, se publicam os seguintes documentos
(Continuado do numero antecedente)

* * *

Documento n.° 11
[Salvamento da escuna British Queen, 1858]
Certifico que no dia 24 do corrente mez naufragou nos baixos d'esta torre a escuna ingleza denominada Rainha britannica [British Queen]; mandei dar os tiros do costume para se lhe prestar soccorro; a primeira embarcação que se apresentou no logar do sinistro foi a canoa de pesca de Joaquim Lopes, patrão da falua ao serviço d'esta torre, dirigida por elle com oito remadores; estes intrépidos marinheiros, com a maior coragem investiram os baixios contra maré e vento que muito agitava o mar, pondo em imminente perigo as suas vidas; viu infelizmente que não podia communicar com o navio para salvar a guarnição, immediatamente se collocou no logar aonde a corrente da agua conduzia alguns fragmentos, ali, a muito custo, salvou primeiramente o cão do navio, e logo depois um marinheiro que conduziu para esta torre, a fim de se lhe prestar os primeiros soccorros de que tanto careciam; a exemplo d'estes valorosos e corajosos marinheiros seguiram a approximar-se do logar em que tinha espiado a dita canoa os escaleres da alfandega e contrato que salvaram o capitão da escuna, que tudo foi devido ao valor e desenvolvimento do patrão Joaquim Lopes, que os arrostou ao perigo lutando com as grandes vagas que por vezes esteve a submergir a citada canoa, tornando-se dignos da maior consideração por tão relevantes serviços prestados á humanidade. O marinheiro depois, que foi recebido n'esta torre, foi mettido em uma cama, aonde se fez tomar algum alimento, mandando-se depois vestir e calçar, com roupa minha, para vir para terra; ao cão prestou-se-lhe os soccorros que me suggeriram, porém succumbiu na madrugada do dia 25, supponho ter recebido alguma pancada de algum fragmento.
Quartel na torre de S. Lourenço da barra, 28 de fevereiro de 1858. == José Paulino, segundo tenente de artilheria, ajudante.
E trasladado o conferi e concertei com o documento que me foi apresentado, ao qual me reporto, que tornei a entregar com esta ao apresentante.
Lisboa, 6 de março de 1858. E eu, Camillo José dos Santos, tabellião que fiz trasladar, subscrevi e assigno em publico.
Em testemunho de verdade. = O tabellião, Camillo José dos Santos.

* * *

Documento n.° 11-A
[Graduado em Segundo Mestre da Armada]
Copia — Inspecção do arsenal da marinha — 1.ª direcção 2.ª repartição. — Sua Magestade El-Rei, querendo dar mais uma prova de consideração a Joaquim Lopes, patrão do barco Salva Vidas, pertencente á repartição de marinha, pelos relevantes serviços que por vezes tem prestado, arrancando ao furor das ondas muitos naufragos, que infallivelmente seriam victimas se não fóra o denodo e valentia d'aquelle destemido maritimo, que por seu comportamento, essencialmente humanitario, merecera a munificencia de El-Rei, e a de alguns outros Soberanos; manda, pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, participar ao conselheiro inspector geral do arsenal da marinha, para sua intelligencia e execução, que ha por bem conceder ao referido maritimo, Joaquim Lopes, a graduação de segundo mestre da armada, sem direito algum a entrar no quadro dos officiaes marinheiros da mesma armada, nem ao vencimento respectivo.
Paço, 27 de setembro de 1862. = José da Silva Mendes Leal.
Está conforme. = Arsenal de marinha, 1 de outubro de 1862. — Francisco Antonio Gonçalves Cardoso, inspector.

Inspecção do arsenal da marinha. — Ao patrão do barco Salva Vidas, Joaquim Lopes, se envia, para seu conhecimento e mais effeitos convenientes, a inclusa copia da portaria que me foi dirigida pelo ministerio da marinha, na data de 27 de setembro ultimo, pela qual Sua Magestade El-Rei, querendo dar-lhe mais uma prova de consideração pelos serviços humanitarios que tem prestado, ha por bem conceder-lhe a graduação de segundo mestre da armada, sem direito a entrar no quadro dos officiaes marinheiros da armada, nem ao vencimento respectivo.
Arsenal de marinha, 1 de outubro de 1862. — Francisco Antonio Gonçalves Cardoso, inspector.

* * *

Documento n.° 12
[Salvamento da escuna Howard Primorose, 1856]

Naufrágio — Da torre de S. Julião da Barra, em data de 16, dizem-nos o seguinte:
Hoje, pelas quatro da manhã, appareceu no baixo de oeste da torre de S. Lourenço da Barra uma escuna, que por não trazer bandeira se ignora a que nação pertencia, porém como n'aquella torre nunca ali se encontra o seu governador, nem ajudante, só deu signal de navio em perigo pelas seis horas e tres quartos da manhã; a torre de S. Julião immediatamente deu tres tiros do estylo, para avisar a torre de Belem de que eram necessarios soccorros, bem como tambem o telegrapho participou aquelle desastroso acontecimento; porém de Lisboa soccorro algum apparecia, até que a escuna não podendo saír do baixo, e batendo-lhe o mar com violencia se virou, desmastreando-se; por algum tempo pensei que aquelles desgraçados tinham perecido, mas felizmente d'ali a pouco tempo, com o auxilio de um oculo vi que uns poucos de homens se seguravam com força e coragem á proa do barco escangalhado.

O telegrapho de S. Julião, continuando a dar parte do acontecido, instava pela prompta remessa de soccorros, porém tentativas baldadas; os pobres naufragados viam a morte diante de seus olhos, sem a esperança de salvação, não obstante terem a terra tão proxima.

Perto das onze horas da manhã entrou a fragata D. Fernando, e nem ao menos diligenciou saber se podia ou não valer aquelles desgraçados; o unico soccorro que appareceu, no qual fundámos ligeiras esperanças, foi o mestre da falua, empregado no serviço da torre de S. Lourenço, que por o espaço de duas horas diligenciou o approximar-se á escuna, a fim de salvar os desgraçados; porém o mar era tanto que teve o homem corajoso de desistir da sublime obra que intentara; porém lembrando-se talvez que quando ha boa vontade e constancia nada é impossivel, metteu a proa á terra com direcção a Paço de Arcos, e de tarde pelas tres horas, mettendo-se dentro de um pequeno bote, que é propriedade sua, com alguns remeiros, foi ao baixo onde os desgraçados estavam, talvez pensando qual seria a vaga que lhes roubaria a vida; e com o denodo que o distingue salvou, com a ajuda dos seus companheiros, as pessoas que se achavam ainda nos restos do barco, e os conduziu para Lisboa.
Queira Deus o governo seja justo para com similhantes homens.

De Lisboa mandaram o vapor Tojal, que mais veiu escarnecer os desgraçados, do que dar-lhes a salvação, porque não tendo passado de defronte da Trafaria, nem ao menos pôde ter visto o local onde elles estavam. Que informação dará ao seu chefe o commandante do vapor?Talvez tivesse dito que tudo se tinha perdido! Que dirá agora em presença do facto praticado pelo mestre da falua e seus companheiros?
(O Portuguez n.° 843, de 19 de janeiro de 1856.)

* * *

Documento n.° 13
ACTO DE HEROÍSMO
[Salvamento da escuna Howard Primorose, 1856]
No dia 16 do corrente, pelas quatro horas da madrugada, encalhou na pedra do Alpeidão, a meia legua, ao oeste da torre do Bugio, a escuna ingleza Primorose, vinda da Terra Nova, com carga de bacalhau. O mar estava violentamente agitado com um vento forte de travessia, ONO. e todos os esforços eram baldados para tirar a embarcação da ruina que a ameaçava. Ás sete horas, em Paço de Arcos, o patrão do escaler do Bugio, Joaquim Lopes, movido unicamente por um sentimento de humanidade, chama a sua guarnição, e dirige-se, com a velocidade que podem dar a boa vontade e valentia d'aquelles generosos remadores, ao sitio do sinistro; porém, chegados ali, uma difficuldade insuperavel tornava inutil a dedicação e coragem d'aquelles homens benemeritos. O escaler não podia approximar-se dos infelizes naufragados, porque não lhe era possivel navegar sobre o baixo que o separava d'elles!... Aqui se passou uma scena da maior consternação. O navio, açoutado pelas ondas furiosas e pelo vento, ía-se despedaçando sobre a rocha; e a guarnição, composta do commandante e cinco marinheiros, subiam ás enxárcias, e imploravam, com as vozes e gestos mais commoventes, o soccorro que tão perto estava, mas que aquelle fatal impedimento tornava impossivel, não obstante os redobrados esforços d'aquelles valentes homens, cuja boa vontade e commiseração eram impotentes para lhes valer! Os ultimos refúgios iam rapidamente faltando. Os mastros caíram um após outro, e com elles as ultimas esperanças de salvação, faltando o abrigo que nas enxárcias tinham procurado aquelles infelizes!...

Ás dez horas e meia Joaquim Lopes resolve-se a voltar a Paço de Arcos, distante legua e meia, buscar uma embarcação mais pequena que podesse navegar sobre o baixo. Chega manda cada um tomar algum alimento, que ainda não tinham provado n'aquelle dia, faz deitar ao mar a sua propria canoa; mette-lhe dentro uma porção de pães e outras cousas destinadas aos naufragos, que não desespera ainda de salvar, chama mais dois individuos para o ajudarem, e que voluntariamente se prestam a isso, sendo um d'elles seu filho, e outro Antonio das Neves, pharoleiro do Bugio, e ei-lo outra vez á força de remos em demanda da barra...

Já nada se avistava sobre as aguas, e o coração se atristava com a idéa de que finalmente tinham succumbido aquelles desgraçados, depois de tantas horas de angustia, e. depois de terem visto ali, tão perto, o soccorro que aquelles homens animosos tão generosamente lhes traziam, mas que uma fatalidade inutílisou!

Porém não! a Providencia não quiz negar a tanta dedicação a consolação de ver conseguido o seu fim. Um soldado do Bugio que vigiava aquellas scenas desoladoras, avisou os homens da canoa, de que os naufragados ainda existiam e que se conservavam agarrados ás madeiras fluctuantes e fragmentos do navio. O mar era temeroso, a canoa fragil, e a cada momento se alagava, mas o triumpho estava proximo, e a constancia não fallecia. O intrepido veterano Joaquim Lopes dirige-se aos seus camaradas, a quem parecia impossivel que aquellas espantosas ondas os não tragassem a cada instante, e lhes diz estas singelas palavras, que a fé e o enthusiasmo tornam eloquentes: «Não, não é este, nem dobrado d'este mar, que nos ha de metter a pique! A Senhora da Piedade está-nos vendo. O perigo, esse está com aquelles infelizes! Ali é que estão doze horas de agonia, e em poucos momentos a morte irremediavel! Eia, camaradas! ou a morte tambem para nós, ou a vida para todos, e um nome eterno para os valentes que os salvarem!» —Com effeito esses valentes são como um homem só na dedicação e no esforço, e dentro em pouco toda a guarnição naufragada é apanhada e recolhida na canoa, no meio das lagrimas de emoção e de todos os signaes de gratidão e admiração por um lado, e de satisfação e enthusiasmo do outro.

Quinze pessoas agora pejavam a pequena canoa. Uma onda monstruosa quebra sobre ella, e a leva á mercê, envolvida, alagada e tão apparentemente perdida, que o commandante naufragado, julgando-se outra vez a ponto de ser submergido, com os seus generosos salvadores, desanimou e perdeu os sentidos. Joaquim Lopes apanha-o nos braços, reanima-o, e mostra-lhe o perigo milagrosamente passado. Depois trata de fazer com que cada um tome algum do alimento que levava, e restaure um pouco as forças que traziam atenuadissimas.

Eram quatro e meia da tarde, quando Joaquim Lopes finalmente passava já triumphantemente o Bugio com aquellas vidas salvas unicamente pela sua espontanea dedicação e coragem, e pelos sentimentos iguaes de seus companheiros, todos, á excepção de seus dois filhos, veteranos de mais de cincoenta annos, e um de mais de setenta.

Ninguem mais appareceu a prestar qualidade alguma de auxilio, ou que estivesse ali para incutir animo. As embarcações, que tinham partido com este destino, todas regressaram na idéa de que os naufragados tinham perecido; e aquelles homens generosos, sem mais apoio do que a sua vontade, perseveraram no seu empenho heroico até o coroarem de um glorioso resultado.

Honra e recompensa a estes dignos portuguezes. Ufana-se a humanidade de que se, ainda mal, ha n'ella egoismo e más paixões, tambem se encontram almas elevadas e acções sublimes.

Saibamos nós galardoar estes raros exemplos, e não olhemos com ingrata indifferença para actos taes, que em qualquer occasião são meritorios, mas que tambem por qualquer de nós podem ser bem desejados, em circumstancias taes, de que ninguem se pôde julgar isento.

Consta-nos que o homem verdadeiramente magnanimo, a quem principalmente foi devido aquelle distincto serviço á humanidade, levara a sua abnegação a ponto de restituir a importancia de uma subscripção, que na povoação de Paços de Arcos se fizera espontanea e nobremente para o premiar, e dar-lhe um testemunho de admiração pela sua conducta e de seus companheiros. Louvamos e respeitâmos o sentimento de delicadeza tão proprio das almas superiores que dictou aquelle acto, mas nem por isso julgâmos, a sociedade desobrigada para com, elles de uma divida sagrada que, ao mesmo tempo que remunera devidamente um feito distincto, serve de estimulo honesto para ter no futuro imitadores.

Joaquim Lopes conta trinta e seis annos de serviços prestados ao estado; seus companheiros, como já dissemos, com excepção de seus dois filhos, um dos quaes não hesitou em acompanhar seu pae, apesar de ser tambem pae de tres filhos, todos são homens avançados em idade. Temos a certeza que qualquer d'elles ficaria muito satisfeito se lhe fosse garantido o seu vencimento actual para o resto de seus dias. Esta remuneração, que os livrará da miseria, quando a idade os impossibilite de ganhar o pão, é-lhes rigorosamente devida, e confiamos que, se houver quem a proponha aos representantes da nação, elles a concederão liberalmente.

A guarnição do escaler compunha-se dos seguintes individuos:
Patrão — Joaquim Lopes.
Remadores — Querino Antonio (filho do patrão).
» José Lopes.
» Manuel de Oliveira.
» Bento Luiz.
» Euzebio Lopes.
» Francisco Lima. Voluntarios — Carlos Augusto (filho do patrão).
» Antonio das Neves. (Jornal do Commercio n.° 738 de 28 de fevereiro de 1866.) (Continua.)

[Página 894]
Por deliberação da camara dos senhores deputados, tomada em sessão de 27 de março corrente, se publicam os seguintes documentos
(Continuado do numero antecedente)

* * *

Documento n.° 14
ACTO DE HEROISMO
[Salvamento, 1856]

No dia 27 de março, pelas seis horas da tarde, uma canoa das que servem as muletas approximou-se, tripulada com dois homens, ao caes da Saude em Paço de Arcos. Uma grande onda virou-a de quilha para o ar, e os dois desgraçados ficaram debaixo d'ella. Poucos momentos depois um dos naufragos veiu ao de cima e conseguiu salvar-se sobre um rochedo denominado da praia da Sardinha. Como o segundo não apparecesse, o pratico da falua do Bugio, Joaquim Lopes, conhecendo o perigo em que elle estava, determinou acudir-lhe e lançou-se para isso de uma muralha de quasi 30 palmos; a pressa só lhe deu tempo para tirar a japona.

Nadando, conseguiu este homem, generoso e dedicado, chegar ao pé da canoa que andava embrulhada nas ondas, e pôde salvar de debaixo d'ella o miseravel que já estava quasi morto.

Dirigindo-se depois para o rochedo onde o primeiro se salvara, rebentou uma onda tão forte que o arremessou contra o rochedo, a elle e ao naufrago que elle acabava de salvar, e ambos aqui teriam sido victimas, se José Lopes, um dos remadores da falua, cujo patrão elle era, e Manuel Fernandes e João da Cruz, mestres de barcos de carregar pedra, se não arrojassem logo ao mar em seu soccorro. Estes poderam lançar-lhe a mão e facilitar-lhe a subida para o rochedo, onde emfim pôde surgir com o naufrago que tinha ido salvar e que em nenhum lanço desamparou.

Este honrado patrão da falua do Bugio é o mesmo que, inspirado de iguaes sentimentos de humanidade, se aventurou ha pouco a ir salvar a tripulação da escuna Primorose.

O naufrago não deu accordo de si senão ás dez horas da noite. (Jornal do commercio n.° 762, de 1856.)

* * *

Documento n.° 15
[Salvamento da escuna Howard Primorose, 1856]

O seu a seu amo. — Alguem vendo as honrarias conferidas ao anspeçada do 1.° regimento de artilheria, João José Lourenço, pelos serviços prestados á tripulação da escuna ingleza Howard Primorose, quando naufragou na barra d'este porto, estranhou que ao valente anspeçada se desse um tão solemne testemunho de reconhecimento, emquanto que se deixa esquecida a gente da falua da torre do Bugio que tantos perigos arrostou, e conseguiu salvar os naufragos; e desejando tornar bem patentes os valiosos serviços dos corajosos maritimos, remetteu-nos os documento: que abaixo publicamos, pedindo-nos que lhe demos publicidade, ao que annuimos gostosos. Cumpre-nos declarar que a pessoa que nos enviou os documentos nenhum conhecimento tem com os maritimos cuja causa advoga. Eis aqui os documentos:

1.° Extracto do protesto feito no consulado britannico no dia 18 de fevereiro por John Cantwell mestre, e pela tripulação da escuna ingleza Howard Primorose, que naufragou no cachopo do sul, na foz do rio Tejo, no dia 16 do mesmo mez de 1856:

«Que sendo muito rapida a corrente com as aguas do rio arremessou o mencionado navio sobre o cachopo do sul, ou de permaneceu até ás sete horas da manhã; então elles (a tripulação) cortaram os mastros para alliviar o navio; avistaram n'essa occasião uma falua, porém havendo muito mar não pôde prestar soccorro algum; pouco depois o navio despedaçou-se; um dos homens da tripulação vendo que não havia esperança alguma de salvação, agarrou-se a uma peça do casco despedaçado, a qual foi levada á praia á distancia de tres milhas; pelas onze horas e meia viu-se um vapor de guerra portuguez, o qual sem prestar soccorro algum voltou para Lisboa; desde então conservando-se numa mui pequena porção do casco, continuava no maior perigo até ás quatro horas da tarde, quando avistaram uma embarcação que se approximava, e se reconheceu que era tripulada pela mesma gente, que se esforçara por dar-lhes socorro da primeira vez e com grande risco das suas proprias vidas, chegaram a tempo para salvar os restos da tripulação da sua angustiosa situação; e se não fóra a opportuna chegada d'este soccorro todos teriam infallivelmente perecido
(Assignado pelo mestre e pela tripulação do Howard Primorose.)

2.º (Copia) Relação dos individuos que salvaram a tripulação da escuna ingleza Howard Primorose no dia 16 de fevereiro de 1856:

Joaquim Lopes, patrão da embarcação da torre de S. Lourenço da Barra; Querino Antonio, remador da dita; José Lopes, dito; Bento Luiz, dito; - Eusébio Lopes, dito; Francisco Lima, dito; Antonio das Neves e Carlos Augusto. (Estes dois não pertencem á referida tripulação.)
Bordo da corveta Oito de Julho, surta em frente de Belem, 21 de fevereiro de 1856. = Antonio Rafael Rodrigues Sette, primeiro tenente commandante.
Jeremias Meagher, vice-consul de sua magestade britannica em Lisboa.

Certifico que o extracto acima foi extrahido fielmente do original protesto, feito pelo mestre e tripulação da escuna ingleza Howard Primorose, registado n'este consulado, e que a relação dos nomes dos nove marinheiros que salvara mas vidas dos mencionados mestre e tripulação, junta ao supradito extracto, é copia fiel da relação original, assignada pelo commandante da corveta Oito de Julho, estacionada em Belem e que foi enviada a este consulado pela maioria general da armada.
Por mim feita e sellada com o sêllo d'este consulado, em 17 de abril de 1856. = Logar do sêllo. = Jeremias Meagher, vice-consul.

Isto é authentico, e já n'este jornal estava consignado nos n.ºs 738 e 756. No primeiro vem extensamente narrada a historia d'este successo, e no segundo, n'uma correspondencia do sr. Guilhermino Quintino Lopes de Macedo, igualmente se mencionam os serviços do patrão Joaquim Lopes e tripulação da falua. Foi n'esta correspondencia que pela primeira vez se fallou, na imprensa, na cooperação do anspeçada João José Lourenço n'este acto heroico, dizendo-se ahi que fóra elle que, mettendo-se ao mar e encontrando a falua, indicara o logar onde estavam os naufragos, que a gente da falua perdêra de vista.

Sem diminuir por fórma alguma a gloria que cabe ao valente anspeçada n'este heroico feito, prestando a devida homenagem ao valor que elle mostrou, arrojando-se impavido ás vagas temerosas, não podemos deixar de reconhecer que houve injustiça com o patrão Joaquim Lopes e a sua gente, não lhe dando um testemunho publico de reconhecimento, não galardoando a coragem e a impavidez com que se houveram n'esta arriscadissima conjunctura.

Estamos certos que o governo de Sua Magestade ha de remediar esta falta que é grave, porque é uma injustiça, premiando um benemerito, e deixando no esquecimento outros em identicas ou mais vantajosas condições.

É de certo que a mingua de informações officiaes que têem contribuido para que o governo não haja recompensado, como merecem, os valentes marinheiros da falua do Bugio.

O governo inglez sendo informado pelo seu digno consul do modo por que se houveram os falueiros, mandou que a cada um d'elles se dessem cinco libras, as quaes já receberam; e brevemente o mesmo governo enviará as medalhas com que resolveu condecorar aquelles benemeritos maritimos.
O governo portuguez não deve, nem pôde ser menos brioso do que o governo britannico.

(Jornal do commercio n.° 781, de 20 de abril de 1856.) 

* * *

Documento n.° 16
RECOMPENSA À DEDICAÇÃO
[Medalhas inglesas enviadas a Portugal, 1856:
Sea Gallantry Medal (Foreign Services)]
Sabemos que o governo inglez mandou dezeseis medalhas de prata para a campanha de duas lanchas que salvaram a tripulação do navio inglez Active, que naufragou na barra de Vianna; bem como já mandára distribuir duas libras a cada um dos homens d'aquellas companhas, as quaes lhes foram entregues pelo consul britannico no Porto.

Igualmente vieram as medalhas de prata para a gente da catraia que salvou a equipagem da escuna Howard Primorose, que naufragou na barra d'esta cidade; já noticiámos que cada um dos valentes catraeiros recebêra cinco libras, que lhes foram dadas pelo consul britannico em Lisboa, por ordem do seu governo.

As medalhas são do tamanho de meia corôa, na face tem o retrato da rainha Victoria, com a legenda Victoria D. G. Britanniarum Regina F. D. (Victoria pela graça de Deus rainha das ilhas britannicas, defensora da fé), e no reverso, uma grinalda com a corôa das armas de Inglaterra sobreposta, e no centro o seguinte dístico: Presented by the British Governement (offerecido pelo governo britannico) e em redor a legenda: For saving the lives of British subjects (por ter salvado as vidas de subditos inglezes).
O governo da rainha Victoria procedeu desta fórma com os valentes que salvaram as vidas dos naufragos, seus subditos, e o governo portuguez deixará no esquecimento acções tão generosas?

Não o podemos acreditar. Confiamos que o governo ha de fazer justiça á coragem dos nossos compatriotas: o seu proprio pundonor lhe aconselha que recompense aquelles que prestaram maior serviço, tendo pomposamente gratificado um que se houve com denodo e galhardia, é verdade.

Repetimos, estamos certos que o governo de El-Rei o Senhor D. Pedro V não será menos brioso que o da rainha Victoria. (Jornal do commercio n.° 794, de 1856.)

* * *

Documento n.° 17
HONRAS CONQUISTADAS
[Medalha de Mérito de 2.ª Classe, Prata,
R. S. H. do Porto, 1857]
O sr. Joaquim Lopes, patrão da falua da torre do Bugio, socio honorario da real sociedade humanitaria do Porto, e por ella já condecorado com a medalha de oiro, pelos serviços prestados á tripulação da escuna ingleza Primorose, acaba de ser novamente condecorado pela mesma real sociedade com a medalha de prata, pelos novos serviços que este intrepido e generoso ancião prestou ultimamente, salvando um homem que ficára debaixo de uma canoa, em Paço de Arcos, que morreria se não fóra soccorrido pelo destemido Lopes.
(Continua.) (Jornal do commercio n.º 1073, de 1857.)

[Página 910]
Por deliberação da camara dos senhores deputados, tomada em sessão de 27 de março passado, se publicam os seguintes documentos
(Continuado do numero antecedente)

* * *

Documento n.° 18
[Salvamento da escuna British Queen, 1858]

O naufragio da escuna ingleza, British Queen, de que hontem informámos os nossos leitores, é mais um facto par demonstrar a urgente necessidade da organisação do serviço de soccorros maritimos.

A imprensa tem instado muitas vezes por esta organisação, e não tem sido até hoje attendida. Esperâmos que seja agora.
E não bastam essas providencias, que nascem no gabinete de uma secretaria e morrem nas columnas do Diario As providencias, que o caso requer, devem ser promptas efficazes, energicas, porque interessa n'ellas a humanidade.

Seria uma cruel zombaria deixar as cousas no estado vergonhoso em que se acham.
Ao governo compete pôr em execução o que lhe tem sido proposto, ou substituir os meios propostos por outros que lhe pareçam melhores.
Em todo o caso é urgente e indispensavel tomar as medidas convenientes, para que os navios em perigo sejam promptamente soccorridos.
Dos sete tripulantes da escuna, apenas escaparam dois ao naufragio. A escuna perdeu-se.

Temos á vista uma carta, firmada por um dos nossos assignantes, que descreve o acontecimento pelo modo seguinte:

«Ás sete e meia da manhã, do dia 24 do corrente, appareceu uma escuna ingleza a sotavento do Bugio; fez dois bordos, um para leste e outro para oeste, porém não conseguindo virar, em consequencia do grande mar e vento, encalhou no baixo do Alpeidão a oeste do Bugio. Apenas as torres fizeram o signal de soccorro, saíram de Paço de Arcos uma canoa de pesca e o escaler da alfandega. A canoa, por ser mais veleira, chegou muito antes do escaler; este veiu depois Juntar-se a ella; e em seguida veiu da Trafaria outro escaler da alfandega. Estiveram, durante tres horas, pouco mais ou menos, lutando com o mar, não podendo approximar-se da escuna, que viram, com horror, submergir-se. Pouco depois, avistando-se um homem agarrado a um pau, a tripulação da canoa, sem attender ao perigo, correu a salva-lo, o que conseguiu, e como o visse em mau estado, arriscou-se a leva-lo para o Bugio, a fim de lhe serem ali administrados os necessarios soccorros. Entretanto o escaler da alfandega, de Paço de Arcos, salvava, e conduzia para terra o capitão. A canoa voltou ainda em busca de algum naufrago, e avistando um vulto negro, correu a elle, arriscando-se muito, porque se encheu duas vezes de agua. O vulto era um cão, que foi transportado para o Bugio.»

Esta canoa, que já tem salvado muitas victimas, era commandada pelo proprio dono, o bem conhecido e benemerito patrão da falua do Bugio. Os escaleres, que acompanharam corajosamente a falua, prestaram tambem relevante serviço.

E para commover á heroicidade e caridosa dedicação do velho patrão da falua, o bravo Joaquim Lopes, prompto sempre a affrontar o perigo para salvar as victimas do mar. Foi elle quem salvou a escuna Primorose, foi elle quem conseguiu levar um dos seus homens a bordo do vapor inglez para o retirar do baixo do Bugio; a elle se devem muitos outros serviços que têem passado despercebidos.
As medalhas não se fizeram sómente para os marinheiros russos.

A este honrado octogenário, que tantas vezes tem arriscado a existencia, e que por seus relevantes serviços não teve ainda recompensa, nem ao menos concedem a reforma, que solicitou ha muito, e a que parece ter incontestavel direito!

(Diario mercantil n.° 45, de 26 de fevereiro de 1858.)

* * *

Documento n.° 19
[Salvamento da escuna British Queen, 1858]

O naufragio da escuna ingleza British Queen fez levantára costumada poeira dos soccorros maritimos do porto de Lisboa; isto é, os jornaes gritam que ha falta de soccorros, e que por tal falta houve estas e aquellas victimas; um ou dois paes da patria annunciam logo uma interpellação nas camaras ao respectivo ministro da marinha; este responde quatro palavrões esperançosos, como, por exemplo, confessa a verdade do miseravel estado dos soccorros da barra, e termina por dizer que = vae mandar saber quanto custará em Inglaterra os barcos salva vidas de Greatheed =; e deste modo põem peneira nos olhos ao povo, até que uma nova desgraça venha avivar este miseravel estado das nossas cousas!!

O que é notavel neste ultimo acontecimento é que, segundo diz o Jornal mercantil n.° 45, de 26 de fevereiro, a salvação dos dois homens da tripulação da escuna British Queen é devida á corajosa dedicação do velho ancião, patrão da falua da torre do Bugio, pois foi elle que primeiro saíu de Paço de Arcos com os seus filhos, e que ensinou aos escaleres da alfandega o caminho da barra e come se podiam salvar os naufragados; e sabe, mestre, apaga que o pobre do bom velho Joaquim Lopes teve? Eu lh'o digo: o sr. Mantas informou á direcção da alfandega que os dois homens da tripulação da British Queen, que unicamente se poderam salvar, foram salvos pelos escaleres da alfandega; e foi isto mesmo que o ministro informou á camara dos deputados; quero dizer, esqueceram de mencionar o patrão da falua!

Isto é uma miseria humana; pois o sr. conselheiro, commendador, pé-fresco, e o sr. Santos das Sete, ou, foram enganados, ou muito de proposito enganaram. O governo, pelo ministerio da guerra, era informado pelo governador do Bugio, que o patrão da falua, Joaquim Lopes, aos primeiros signaes de soccorro, logo correu ao perigo com aquella audacia com que sempre corre a bater-se, com as ondas para lhe arrancar as prezas! Pelo ministerio da marinha é informado; que quando o vapor de guerra (que gastou seis horas a accender as machinas) chegou a Paço de Arcos, tres léguas de distancia!!! já lá não viu nada;, e pelo ministerio da fazenda é informado de que quem acudiu ao perigo foram os escaleres da alfandega, e a elles se deveu a salvação do capitão e um marinheiro;, e isto no mesmo dia em que no Jornal mercantil, no seu artigo de fundo, narrava circumstanciadamente, o naufragio da British Queen, e dizia que ao patrão da falua de Paço de Arcos se devia a salvação de parte da tripulação.

Mestre, o que eu vejo de tudo isto é que, se desgostam o velho Lopes do Bugio, podem os remadores do commendador Mantas ir bugiar, e mais os nossos marinheiros, que jamais serão capazes de salvar um desgraçado que naufrague na barra de Lisboa.

(O Braz Tisana n.º 68, de 12 de março de 1858.) 

* * *

Documento n.° 20
[Medalha de Mérito, Filantropia e Generosidade, 1858 / Comparação entre recompensas britânicas e portuguesas]

No dia 16 de fevereiro de 1856 naufragou na barra de Lisboa a escuna ingleza Primorose, e o patrão da falua do Bugio salvou a tripulação da escuna. Logo que chegou a Inglaterra noticia do facto, o governo inglez mandou condecorar o valente Joaquim Lopes, enviando-lhe uma medalha de oiro, com fita, e um diploma. Na orla da medalha está gravado o nome do agraciado, e o dia do heroico feito.
A sociedade humanitaria do Porto, logo que foi sabedora do serviço prestado á tripulação da escuna Primorose, condecorou o patrão da falua com a grande medalha de oiro.
Não fizeram impressão, no animo do governo nem o facto, nem as recompensas concedidas. O velho Joaquim Lopes é empregado do estado, fez um serviço relevante, que merecia honrosa menção, mas o governo guardou silencio, e só lhe occorreu que devia recompensar de algum modo o patrão da falua, quando a imprensa censurou severamente a injustiça, que se praticára, condecorando com a Torre e Espada um soldado, cujos serviços não podiam ser comparados com o acto de heroicidade que praticára o salvador da tripulação da escuna.
Para reparar injustiças, e galardoar serviços d'esta natureza, baixou em 18 de dezembro, dez mezes depois, uma portaria, mandando cunhar um medalhão de prata. Foi a portaria assignada pelo sr. Julio Gomes da Silva Sanches, então ministro do reino. A medalha pésa duas onças, não tem argola, nem fivella a que se possa prender fita, e veiu parar ás mãos dos condecorados, embrulhada em um pedaço de papel ordinario. De um lado tem a medalha a effigie da Senhora D. Maria II, e do outro a seguinte legenda: Philantropia, generosidade ao merito, instituida por S. M. F. a Senhora D. Maria II.
É o medalhão de taes dimensões e peso, que ficaram embaraçados, ao recebe-lo, os que foram condecorados.
Nenhum sabia como usar d'elle, até que a final se resolveu, por maioria, que seria bom grudalo ao fato, visto que não havia outro meio melhor.
Compare-se o procedimento do governo inglez e o da sociedade humanitaria do Porto, com o do nosso governo, e digam-nos se não é muito para louvar o acerto e a promptidão das suas resoluções.
(Jornal mercantil n.º 155, de 15 de julho de 1858.)

* * *


Documento n.° 21 

Um bravo maritimo. — O patrão da falua da torre do Bugio, Joaquim Lopes, póde dizer-se o heroe da barra de Lisboa. Tem figurado em muitos dos dramas tenebrosos passados n'aquellas paragens.

N'este jornal temos commemorado alguns dos actos de generosa valentia praticados pelo bravo Joaquim Lopes.
Este maritimo, para quem as ondas embravecidas são como um brinco de creança, e que arremette com a furia dos temporaes n'um fragil barco, sem tremer nem hesitar, tem o peito coberto de honrosas medalhas.

Estas é que são bem conquistadas, só recordam as vidas arrancadas á morte; se provocaram lagrimas foram só, de alegria e de reconhecimento ao homem que se dedicou com tanta caridade a bem dos seus similhantes. As medalhas ganhas nos campos de batalha tem sempre uma face lutuosa, porque lembram o sangue derramado, a viuvez e a orphandade, e as saudades que deixam as victimas dos caprichos, das vaidades, e das ambições dos monarchas e dos povos.

Joaquim Lopes tem cinco medalhas, que lhe foram conferidas por actos de heroísmos. Duas da sociedade humanitaria do Porto, sendo uma de oiro e outra de prata. Duas do governo britannico, uma de oiro e outra de prata. É a medalha de merito civil dada pelo governo portuguez. Além d'isto é socio honorario da sociedade humanitaria. Eis-aqui um homem que todos devem respeitar. O intrepido patrão parece ser homem de mais de cincoenta annos, mas robusto, e ainda em 1856, deitando-se a nado, salvou um homem, que estava debaixo de uma canoa, que a braveza do mar fizera virar.

Joaquim Lopes tem companheiros nas suas arriscadissimas aventuras maritimas, mas elle é o chefe da campanha. E os companheiros tambem já têem recebido medalhas. 

(Jornal do commercio n.° 1447, de 23 de julho de 1858.) (Continua.)

[Página 949]
Por deliberação da camara dos senhores deputados, tomada em sessão de 27 de março passado, se publicam os seguintes documentos
(Continuado do numero 77)

* * *

Documento n.° 22

Naufrágio. — Eram pouco mais de dez horas da manhã do dia 16, o mar estava enfurecido, a maré na praia-mar, o vento soprava rijo do SO. caindo ao mesmo tempo um forte aguaceiro, quando grande numero de pessoas na praia de Paço de Arcos, olhavam cheias de afflicção e tristeza na direcção do sitio de Guiada, que fica entre a ponta de areia da Trafaria e a torre do Bugio, onde se via um brigue francez quasi a encalhar, ameaçando a morte de toda a tripulação, e provavelmente a viuvez e orphandade de algumas familias. Já o quadro era feio e assustador, quando desgraçadamente passados poucos momentos, se reconheceu que o brigue tinha encalhado, não só pelo logar em que se achava collocado, como tambem pelos agonisantes balanços e repelões com que o navio se estorcia, torturado e açoutado pelas vagas, algumas das quaes elevavam e escondiam o casco do navio, á vista dos contristados espectadores.

O philantropico e generoso Joaquim Lopes, patrão da falua do Bugio, vendo que o navio já era presa das ondas, immediatamente se dirige a sua casa, acompanhado de seus dois filhos Querino e Carlos, onde revestidos de coragem e energia se preparam para acudir aos infelizes naufragos.
Dentro em poucos momentos já eram vistos na praia com toda a sua valente campanha, onde na presença dos espectadores, o velho patrão se dirigiu a todos os homens da sua arte, convidando-os a irem ajuda-lo na sua empreza.

Estavam presentes quasi todos os catraeiros de Paço de Arcos, mas tal era o perigo que nenhum se atreveu a segui-lo, alem dos da sua campanha e do animoso João da Cruz, arraes de um dos barcos que carregam pedra n'aquella praia, o qual já n'outra igual crise teve a coragem de o acompanhar.

Assim, o corajoso Joaquim Lopes, tendo reunido toda a sua gente, e todos os utensilios e aprestes de que podia dispor para o caritativo fim a que se propunha dirige-se á falua que elle governa, e que estava fundeada a pouca distancia, levanta ferro, larga a vela, e elle ahi vae com a proa direita ao sitio do naufragio.
Emquanto os espectadores abençoavam e bemdiziam o philantropico ancião e toda a sua campanha, por aquelle rasgo heroico de humanidade; ao mesmo tempo em todos os corações redobrava a angustia e afflicção, ao verem que a falua, lutando com as ondas encapeladas, parecia submergir-se, e ás vezes quasi se escondia debaixo de agua.

N'aquelle momento todos receiavam o ter de lamentar a perda de maior numero de victimas.
No entretanto, os remadores da estação da alfandega largam no barco salva vidas, que se achava fundeado junto da falua, na qual os outros já ha tempo navegavam. Triplicada foi a sensação que todos experimentaram, vendo os novos combatentes a braços com tão poderoso elemento, o qual de um só trago os podia a todos engolir.

Iam os remadores da alfandega a pouco mais de meio caminho, e já de terra se divisava a falua, por barlavento do brigue encalhado, atracando á sua proa, de cujo gorupez recebeu tres homens, que esperavam anciosos a salvação de suas vidas; os quaes se não tinham animado a saltar na lancha do navio com os outros marinheiros, que debaixo do maior risco de serem impellidos pelas ondas para fóra da barra, iam remando para a ponte, da areia, para onde o mar e o vento, que os favorecia, os arrojou, sendo ali agarrados pela gente que lá estava agglomerada, quasi ao mesmo tempo era que a falua recebia a seu bordo o capitão e dois marinheiros.
Os remadores da alfandega, vendo que os naufragos já estavam debaixo da protecção do benemerito Joaquim Lopes, retrocederam para o seu posto.

Já a este tempo os animos estavam mais tranquillos, porque tudo parecia estar livre de perigo, e todas as attenções se dirigiam para a falua, que a toda a proa navegava para o lado de Lisboa, fugindo do logar do sinistro, e levando os naufragos por melhor caminho e com melhor tempo, pois já a essas horas a Providencia, como que querendo coadjuvar e coroar os esforços do intrepido patrão e da sua campanha, tinha permittido que o impeto do vento e das ondas tivesse abrandado um pouco.

Chegados ao arsenal da marinha, immediatamente o digno inspector mandou á casa de fazenda buscar fato para soccorrer os naufragos, dando em seguida os devidos agradecimentos ao patrão e á sua campanha.
Este respeitavel Joaquim Lopes, patrão da falua do Bugio, já de avançada idade, cheio de cabellos brancos e de energica coragem e philantropia, tem sido sempre o primeiro a apparecer com a sua campanha no logar do perigo em muitas e identicas circumstancias; homem philantropico e corajoso no mar, não é em terra menos caritativo, pois com os seus poucos teres está sempre prompto a soccorrer e dar a mão aos seus amigos e conhecidos que d'elle precisam; tem sido no seu tanto, optimo pae de familia, e educado seus filhos com o maior esmero e cuidado, de sorte que cada um d'elles é habil no seu officio, todos bem comportados e dedicados ao trabalho, seguindo assim o exemplo de seu pae, a quem acompanham sempre que se arrisca aos perigos do mar.

Ha trinta e oito annos que é patrão da falua que serve as torres do Bugio e S. Julião da Barra, aonde vae quasi diariamente; tem por isso muita pratica d'aquellas aguas e pontos perigosos da barra de Lisboa; tem por muitas vezes arriscado a sua vida e salvado mais de outras tantas victimas n'aquellas paragens, que são uma vala aberta onde tem ficado muitas victimas sepultadas em occasiões de temporal.

Em consequencia dos seus relevantes serviços, já foi por vezes condecorado com cinco medalhas, tres de prata e duas de oiro, algumas das quaes lhe têem sido offerecidas e enviadas de paizes estrangeiros, por ter salvado varios dos seus subditos.

Estas cinco medalhas são todas sem rendimento algum. Era muito para desejar que o nosso governo olhasse para este homem com a attenção que elle merece, não só remunerando-o com um distinctivo mais honroso a sua humanidade, valor e merito; como tambem garantindo-lhe desde já o seu ordenado para o futuro, quando elle ou pela sua avançada idade, pois já conta perto de sessenta annos, ou por algum outro incidente, não possa trabalhar.

Por esta occasião, que o acaso nos levou a tratar d'este assumpto, cumpre-nos pedir e lembrar ás auctoridades competentes, a realisação das suas promessas e a urgente necessidade de medidas energicas e meios preventivos, para evitar quanto ser possa o terrivel resultado de similhantes naufragios, estabelecendo alguns soccorros, como haviam no tempo do marquez de Pombal, junto á torre de S. Julião, promptos a acudir ao perigo, e mandando pôr á disposição do pratico e intrepido Joaquim Lopes, os necessarios barcos salva vidas, cabos de vaivém, bóias de salvação, etc... em logares e posições mais adequadas e menos distantes, a fim de que as vidas dos naufragos tenham ornais prompto soccorro, e não fiquem por tanto tempo á disposição das ondas, emquanto chegam os unicos recursos de que a philantropia d'aquelle generoso patrão apenas pôde dispor.
(Portuguez n.° 1672, de 19 de novembro de 1858.)

* * *

Documento n.° 23
[Salvamento do brigue Stephanie, 1856 / Propõe que Lopes receba a Torre e Espada em vez de "uma simples medalha de Prata]

Pedimos attenção, mas attenção muito séria ao governo, e principalmente ao sr. ministro da marinha, em beneficio da humanidade.

O proximo naufragio do brigue francez Stephania ahi está servindo de ultimo brado, a reclamar medidas e providencias, que o governo já de ha muito devia ter tomado, para poder, nas occasiões dos perigos, gloriar-se de se ter preparado para salvar os seus similhantes.

Nenhuma embarcação que, impellida pela força do vento, tenha a desventura de encalhar, ou na Golada do areal do Bugio, ou em qualquer banco de areia da barra de Lisboa, pôde esperar a sua salvação dos barcos de vapor. Estes barcos tem sempre chegado tarde, e mesmo cedo que chegassem, nada poderiam fazer pela sua configuração e tamanho.
Tem sido sempre até hoje a falua do Bugio, seu brioso patrão, e muito corajosa companha, que tem servido de salva vidas na barra de Lisboa.

Na terça feira, 16 de novembro, lá foi outra vez o velho, honrado e valentíssimo Joaquina Lopes, arriscar a sua vida e a de seus filhos, para salvar a de seus similhantes, posto que estranhos.
A falua foi seguida pelo salva vidas da alfandega, commandado por um homem valente chamado João, por alcunha o Minhône, mas quando chegou ao Bugio já toda a tripulação do Stephania estava salva salva. O commandante e dois marinheiros pelo commandante e companha do Bugio, os outros pelo escaler do mesmo brigue.

A vista do quadro de horror, que o mar offerecia aos olhos de todos n'aquelle dia de tempestade, o velho patrão da falua convidou aquelles, que alem da companha (que estava completa!) o quizessem acompanhar; e tal era a furia das ondas, que apenas um valente arraes de um barco de pedra, por nome João da Cruz, se offereceu voluntaria. mente, e se portou com muito valor.

O governo deve olhar para os cidadãos briosos, galardoar os seus serviços e pagar-lhes os seus trabalhos. O governo deve antes ainda d'isso, e primeiro que tudo, a bem da humanidade, mandar vir quanto antes um salva vidas, ou mais, e entregar o commando d'elle ao valente e muito honrado commandante da falua do Bugio.
Salva vidas havia apenas dois, um na alfandega e outro em Paço de Arcos; o da alfandega parece que se acha em pessimo estado, e esse que está em Paço de Arcos é que foi ao Bugio.

Que s. ex.ª o ministro da marinha nos attenda, porque fallamos com conhecimento de causa, e podemos assegurar-lhe que só com o tal salva vidas e competentemente tripulado, se poderão salvar quasi com certeza as infelizes tripulações dos navios que vierem naufragar ás nossas praias.

Entremos mesmo na questão economica.
Ha em Paço de Arcos tres homens, que pertencem ao arsenal da marinha, que podem ser empregados no salva vidas, sendo d'este commandante o patrão Joaquim Lopes, com sua companha, que é composta dos seguintes seis homens; a saber: Joaquim Lopes (o patrão), Quirino Antonio, Carlos Augusto, Thomé Martins, Francisco de Lima e Euzebio Lopes.
Esta companha deve ser augmentada com mais tres ou quatro homens, escolhidos para este fim pelo patrão, e este augmento basta que seja apenas durante os seis mezes de inverno.

Não se fazendo isto, o salva vidas que se acha em Paço de Arcos, pertencente á alfandega, é um traste inutil. Provemos:
A alfandega tem apenas em Paço de Arcos um patrão e oito homens, e estes oito homens tem tres embarcações a seu cargo — o salva vidas, o escaler e a canoa.
Quando ha bom tempo fazem rondas por mar, e por terra quando o tempo é mau. Tem alem d'isso obrigação de ter todos os dias um vigia no caes, e todos os dias tambem um homem para levar o expediente a Belem.
Alguns d'estes homens, posto que aptos e cheios de serviços, são improprios para actos de coragem d'estes, a que muitas vezes se oppõe a idade, o sempre as enfermidades alcançadas no serviço da patria.
Contemos aqui as rasões porque é impossivel que o patrão e companha da falua, gente coberta de tantos serviços á sua patria e á humanidade, não pôde estar muito satisfeita.

Na barra de Lisboa norte e sul, tem-se encontrado sempre, quando ha sinistro, o patrão Joaquim Lopes e os seus a salvarem vidas.
Tem elle duas medalhas inglezas, uma de oiro, outra de prata; tem duas, uma de oiro, outra de prata, que lhe foram dadas pela sociedade humanitaria do Porto; e do nosso governo apenas tem uma de prata, sem pé nem fita, o que nem apenas pôde pendurar ao peito!
Para vergonha nossa, este homem, que outra nação gratificaria devidamente, ganha apenas 300 réis diarios e uma ração de bordo, tendo um trabalho insano com o serviço das duas torres; e O resto da companha ganha cada um 240 réis por dia, e a competente e parca ração de bordo.
Preste attenção o governo a isto e veja que se ás familias d'estes homens, que são tão poucos, não for apenas concedido, depois da sua morte, o ordenado que tiveram em vida, ganho entre tantos perigos e á custa de tanto suor, estes homens hão de morrer desesperados, deixando fome ás suas familias, e maldizendo a patria e o governo que tão pouco lhes agradeceu os serviços.
Deve o governo, se o substantivo humanidade não é para elle uma palavra ôca de sentido, mandar vir quanto antes o salva vidas.
Augmentar o ordenado ao brioso patrão da falua e á sua companha, e ordenar que por sua morte gosem d'esses ordenados as suas pobres familias.
Deve, em logar de uma medalha de prata, conceder a Torre e Espada ao valente Joaquim Lopes, porque em poucos peitos ella iria melhor do que no d'elle.
É Joaquim Lopes um homem valente, leal e tem o merecimento de salvar os seus similhantes, arriscando a sua vida, muito preciosa para seus filhos.
Os governos devem uma vez considerar as pessoas que o merecem, e differençar d'entre os que de nada servem, os que têem sido e podem ainda ser uteis á patria. = João de Aboim.
(Portuguez n.º 1677, de 25 de novembro de 1858.) 

* * *

Documento n.° 24
[Salvamento do brigue Stephanie, 1856]

Naufrágio. — Na terça feira depois das dez horas da manhã, as torres da barra deram signal de navio em perigo. Era um brigue francez, Stephanie, procedente de Londres para Marselha, que viera impellido pela força do vento e do mar, encalhar na Golada, no areal do Bugio.

O vapor francez Coligny, e o Mindello largaram para a barra, a fim de prestarem soccorro ao brigue. Mas já chegaram tarde. A tripulação estava salva; o valente Joaquim Lopes, patrão da falua do Bugio, com a sua companha, já tinha salvo o capitão do brigue e dois marinheiros, e o resto da tripulação, quatro pessoas, salvaram-se na lancha do navio.

Ouvimos que o brigue está perdido. Tanto o Coligny como o Mindello largaram da amarração pela uma hora da tarde.
Ainda d'esta vez a falua do Bugio serviu de salva-vidas na barra.

Não sabemos para que servem as barcas que possue a alfandega; nunca apparecem n'estas circumstancias. Ignoramos se ha um ou dois salva-vidas, e se algum d'elles está perto da barra. Seja como for, não prestam serviço quando mais se carece d'elles.

Continuaremos a instar porque se organise o serviço da barra para acudir aos naufragos. É sempre em face de um sinistro que se fazem estas reclamações, mas nem por isso são attendidas.
(Jornal do commercio n.° 1547, de 18 de novembro de 1858.) 

* * *

Documento n.° 25

Incognito generoso. — O patrão da falua do Bugio, o intrepido Joaquim Lopes, que bem pôde appellidar-se a providencia da barra de Lisboa, foi procurado por um individuo de alta categoria, o qual lhe offereceu uma bandeja de prata, tendo no centro insculpida a firma do patrão, como um testemunho de apreço pelos dedicados e generosos serviços por elle prestados á humanidade, salvando as vidas de tantos naufragos na barra de Lisboa.
O mesmo individuo entregou a Joaquim Lopes a quantia necessaria para distribuir a de 4$500 réis a cada um dos companheiros de trabalhos, e socios nas arrojadas emprezas.
Não sabemos quem é o individuo que por este modo tão briosamente procedeu. O bravo Joaquim Lopes devia ficar bem penhorado com a lembrança d'aquelle individuo.
Se a voz unanime da imprensa publicando e exaltando a dedicação e coragem do patrão da falua do Bugio e dos seus companheiros, pôde considerar-se como um galardão de subido valor, esse tem-o alcançado os bravos maritimos. Outra recompensa lhes deve o estado, e cremos que hão de recebe-la.
Quando os trabalhos e a idade impossibilitarem aquelles homens de ganharem a sua vida, e ainda mais quando já não poderem prestar tão valiosos serviços á humanidade, morrerão á mingua?
Talvez; porque a ingratidão publica costuma ser a paga dos que mais e melhor servem.
(Jornal do commercio n.° 1565, de 10 de dezembro de 1858.)

* * *

Documento n.° 26
[Salvamento do brigue Aquiles, 1862]

Naufrágio. — Hoje pelas seis horas e meia da manhã, appareceu um brigue na Costa, junto á Golada, ao sueste da torro do Bugio, e em grande perigo.
A gente dos salva vidas, um da alfandega e outro do arsenal da marinha, que estacionam em Paço de Arcos, apenas viram navio em perigo, logo se fizeram ao mar, e correram por esse mar tempestuosimo em auxilio da tripulação do brigue em perigo.
O salva vidas da alfandega que estaciona na Trafaria tambem logo foi em soccorro do navio.
Só ás oito horas e meia as torres fizeram os signaes de soccorro.

Todos os salva vidas procuraram cumprir o seu dever, mas como o mar era muito, os seus esforços, eram muitas vezes infructiferos.
O do arsenal, tripulado por doze homens, sendo de maior força, rompeu com mais facilidade pela Golada, e conseguiu approximar-se do brigue, e demais era commandado pelo celebre patrão Joaquim Lopes, o melhor pratico da barra.
Sobre um dos salva vidas da alfandega, não sabemos qual d'elles, arrebentou um mar, e ficou cheio de agua, mas os homens continuaram a trabalhar com o mesmo denodo.

O salva vidas do patrão Joaquim Lopes, já ás oito horas e meia estava prolongado com o brigue, e por meio de um cabo, logrou salvar o capitão e a tripulação que era de seis homens. Dizem-nos que custou muito a resolver o capitão a salvar-se, parecia determinado a succumbir com o seu navio.

Era o brigue hespanhol Achiles, em viagem de Santander para Barcelona, com carga de farinha, seu capitão Ignacio Garcia Piedra, e seis pessoas de tripulação.
A gente do brigue esteve em imminente risco de sucumbir, e o navio uma hora depois de salva a tripulação estava desfeito!
Ouvimos que já ha dias o brigue andava na costa, entre o cabo do Espichel e o baixo do Alpeidão; mas sobre isto não temos noticia exacta.

Foi perda total navio e carga.
Ao patrão Joaquim Lopes coube mais a honra de arrancar sete vidas á furia do mar. Juntará elle mais esta acção ás briosas que tem praticado.
Devemos dizer que se approximaram muito da Golada um escaler da alfandega e outro do contrato. (Jornal do commercio n.° 2515 de 20 de fevereiro de 1862.) 

* * *

Documento n.° 27
[Salvamento do palhabote Almirante do Porto, 1856 / Condecoração, em mãos do rei, do Patrão com o grau de cavaleiro da Ordem da Torre e Espada]

Naufrágio. — O navio que no nosso ultimo numero dissemos estar em perigo na barra era o palhabote portuguez Almirante do Porto, vindo do Havre de Grace com fazendas para esta capital.

Ao primeiro tiro disparado na fortaleza de S. Julião da Barra, largou immediatamente para o logar do perigo o salva vidas do intrepido patrão Joaquim Lopes. Quando chegava á torre de S. Julião, lutando sempre com as ondas, encontrou a pequena lancha do palhabote, na qual se haviam refugiado o capitão e oito homens, isto é, toda a tripulação e o piloto da barra.

O patrão Joaquim Lopes, depois de empregar esforços desesperados, conseguiu receber a bordo do seu salva vidas todos os naufragos e conduzi-los a Paço de Arcos, onde desembarcaram.

Logo que o bravo maritimo fez desembarcar os naufragos, dirigiu-se outra vez para o palhabote em perigo, na esperança de igualmente o salvar; porém, quando se lhe approximava, já o encontrou no sitio chamado a Ponte da Rana, despedaçando-se violentamente.

As auctoridades requisitaram immediatamente uma força militar para proteger a carga do palhabote contra o saque que as embarcações costumam soffrer quando ali naufragam.

Segundo nos consta, foi possivel salvar ainda parte das fazendas. Provavelmente essas fazendas devem estar muito avariadas.

El-Rei o Senhor D. Luiz I quiz hontem mesmo ver o bravo patrão Joaquim Lopes, dignou-se condecora-lo pelas suas proprias mãos com o habito da Torre e Espada. El-Rei deu-lhe tambem treze libras para os treze remadores que tripulavam o salva vidas na occasião em que salvou os naufragos do brigue hespanhol Achilles.

(Jornal do commercio n.° 2519, de 25 de fevereiro de 1862.) 

* * *

Documento n.° 28
[Medalha de Honra, Espanha, 1862, pelo salvamento do brigue Aquiles]

Medalha de oiro. — O governo hespanhol concedeu ha dias a medalha de honra, de oiro, ao valoroso Joaquim Lopes, patrão do salva vidas portuguez Paço de Arcos, como um publico e solemne testemunho do real apreço em que Sua Magestade Catholica teve o humanitario auxilio que aquelle homem corajoso prestou aos tripulantes do bergantim hespanhol Aquiles, na occasião do naufragio d'esta embarcação proximo á barra de Lisboa, no dia 19 de fevereiro proximo passado, com grave risco da sua vida. (Revolução de setembro n.° 5162, de 23 de março de 1862.)»

* * *

Fonte
- Diário da Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portugueza, n.º 60, 27.3.1865. pp. 854-sg.

Imagem (ao topo)
- "Patrão Joaquim Lopes" in: «O Occidente» Nº 779 de 20 de Agosto de 1900