sábado, 16 de setembro de 2017

Excerpto: Raul Brandão, apresentado por Vitorino Nemésio


RAUL BRANDÃO
(1867-1930)

Por Vitorino Nemésio

Raul Brandão é dos maiores prosadores estreados no fim do século XIX e um dos temperamentos mais originais que se exprimiram na nossa língua. Herdeiro do estilo transparente de Eça de Queirós e criado na sua luminosa ironia, excedeu-o no sentido grave da vida e na agudeza psicológica que explora o subconsciente.[...]
A História é outro campo de trabalho preferido por Raul Brandão, sobretudo as épocas de revolução e de crise – Invasões Francesas, Liberalismo, República –, em que a intriga domina o cenário político e em que a ordem social subvertida permite que as paixões venham à-de-cima e que a comparsaria histórica irrompa pelo palco reservado aos grandes personagens. Mamórias, cartas, papéis íntimos, o recheio das casas, a papelada burocrática e as ordens regimentais, de tudo Brandão extrai um pormenor significativo, uma bagatela que tiraniza os homens nas suas manias e ingenuidades e as faz triunfar sobre os interesses gerais e a própria razão de Estado. 
El-Rei Junot é uma espécie de 1812 em prosa, sinfonia triunfal em ritmos de paródia: as divisões desmanteladas mas ainda impetuosas de Junot atravessando a península, o sonho de Napoleão caldeando-se com o pânico e o grotesco de uma população perturbada no seu longo sono histórico. A marcha das tropas, as étapes nos descampados, a fuga da populaça desamparada e infeliz, tudo é dado numa atmosfera de pólvora e de pó, em que o humano triunfa pelo sonho e pela dor da «farsa» trágica. A pintura da corte de Queluz e da Lisboa, dos desembargadores e dos frades, embora feita de elementos heterogéneos  e violentados pela preocupação do pitoresco e do patético, é larga e impressiva. E a seriedade da fibra nacional ferida resulta mais nítida dos lances anárquicos do conflito. 
Conspiração de Gomes Freire dá o lado íntimo, biogratativo, de transição do velho regime para o novo. Gomes Freire é desenhado como acentureiro, patriota, letrado e amoroso. A sombra de Matilde de Melo («felizmente há luar») suaviza o calvário do general napoleónico, mação e conspirador, que paga na forca o seu desprendimento e as suas leviandades. 
No prefácio das Memórias do Coronel Owen (O Cerco do Porto) e nas suas próprias Memórias (3 vols.), Raul Brandão fecha este seu ciclo de petit histoire, espécie de diário de um povo que toma consciência dos tempos modernos através da dissolução e da reforma da sua intimidade histórica. As Memórias de Brandão correspondem ao fim da Monarquia e aos primeiros anos da república, e devem ser lidas com a prevenção de quem vai ouvir o testemunho suspeito mas psicologicamente precioso de um espectador interessado apenas pelo lado mórbido do drama. A verdade que delas sai é psicológica, atmosférica – não é histórica. Os prefácios que Brandão escreve para elas reconciliam-no, pelo seu ar de mensagem ou de visão do mundo, com a pureza e seriedade da alma e do povo português.

Vitorino Nemésio, Portugal, a Terra e o Homem: Antologia de Textos de Escritores dos Séculos XIX-XX, Ed. Fund. Calouste Gulbenkian, Viseu, 1978. (pp. 85-87)

Imagem
- Fotografia de Raul Brandão, Wikicommons

Excerpto: Claudio de Chaby e os Excerptos Historicos



Cláudio de Chaby (1818-1905) é, sem dúvida, um dos grandes historiadores militares portugueses do século XIX e os Excerptos Historicos e colecção de documentos relativos á guerra denominada da Peninsula e ás anteriores de 1801, e do Roussillon e Cataluña, publicados em 1863 é o terreno onde mais se potenciou o seu talento literário. Parte do cronismo quase estatístico e elabora detalhadamente sobre a condição das tropas no terreno, em todos os níveis e classes sociais. Foi o grande compilador de memórias militares de vários oficiais das guerras revolucionárias, algumas delas inéditas.

A combinação de trabalho arquivista exaustivo e abrangente, a recolha de memórias pessoais dos protagonistas (qualquer que fosse o seu grau de importância hierárquica), e finalmente a elegância como descreve os acontecimentos de época, Estes são talvez os traços mais interessantes do autor

Em cartas suas no Arquivo Histórico Militar, Chaby refere-se a um veterano de Artilharia de Elvas que lhe contou alguns pormenores de um brinco militar próximo de Vila Viçosa, assistido pelo Principe Regente e D. Carlota (e pelo veterano, então moço), em inícios de 1806, meio século depois dos eventos, em que se recriava a batalha de Austerlitz, ganha por Napoleão no ano anterior, incluindo uma "réplica" da choça de Napoleão com função decorativa, além do jovem clarim negro da Legião de Alorna, com sua jaqueta azul celeste e mangas negras.

Aqui fica um pequeno excerto do seu primeiro volume, dedicado à Guerra do Roussilhão e Catalunha (1793-1795), especificamente sobre os acontecimentos de 17 e 20 de Novembro de 1794, quando o Exército Republicano faz recuar o Exército espanhol e, com este, o Exército Auxiliador português.

«O estrepito pavoroso das detonações da artilheria: o clarão vivaz da polvora incendiada, perturbando como em ondulações igneas de movimento tremulante e quasi sucessivo, a frouxa luz crepuscular; o estrondo repetido das descargas de espingarderia; o sinistro soído de ferros em golpes de pugna; o rumor do tropel dos ginetes em carreira: os clarins estridentes, as caixas de guerra chamando ao combate, tudo emfim que constitue o cortejo da guerra nos seus horrores e majestade, chamando morte, destruição, e sangue, tudo anunciava ao despontar d'aquelle dia o triumpho previsto e desejado por Perignon, a desgraça já imminente, e que em breve ia cair sobre o exercito peninsular; desgraça que, não obstante, illustrou o valor das tropas, o valor e a pericia de alguns generaes.»

Claudio de Chaby (1863), Excerptos Históricos (Volume I), Imprensa Nacional:Lisboa, p. 125.

Este volume pode ser lido ou descarregado em pdf no GoogleLivros, aqui.

(Seria interessante uma reedição anotada, facsimilada, desta excelente obra)

LIGAÇÕES
Conheça a biografia deste autor em Portugal Diccionario Historico, aqui


Ainda, o artigo "O General Cláudio Chaby, Cronista e Arquivista", de Manuel Amaral, aqui.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Diferentes formas em que o ano 1863 aparece no anverso da Medalha Militar


Uma contribuição para perceber a variação dos vários tipos e modelos da Medalha Militar de 1863. 
No caso são a forma como o ano 1863 é apresentado na base do anverso. 
Com raras excepções, não há duas formas iguais.
Tentei colocá-las numa lógica de aproximação tanto do desenho como da familiaridade de cada variante. Umas têm um ponto no final, outras não.
Enquanto não for ao Arquivo Histórico Militar, assim como a outras fontes, não poderei ter uma melhor ideia das "razões de ser" de cada variante, nomeadamente os dois tipos distintos que parecem evidenciar-se e que muitos de nós nos referimos como D. Luiz em farda de general e de almirante.
Tenho apenas, neste momento, uma intuição (também baseada nas biografias de Gerard e de Frederico Augusto de Campos), que o tipo de D. Luiz em uniforme de general é do período inicial da Medalha, pelo menos as suas 2 primeiras décadas.

Infografia: Medalha Militar de Valor desde 1863 até hoje


A evolução dos desenhos de lei dos anversos da Medalha Militar de Valor desde que foi criada em 1863 até ao presente.