«Que os povos ambicionem as condecorações instituidas pelos reis; que a fatuidade e a inepcia as anhelem como rotulo do merito que lhes falta para hombrearem com os magnates, coisa é tão antiga como as insignias heraldicas. Mas haver rei que exornasse o peito com distintivos que o povo creára para os actos de confraternidade, só n'este século e n'este reino o vimos".
Que os povos ambicionem as condecoraçães instituidas pelos reis; que a fatuidade e a inepcia as anhelem como rotulo do merito que lhes falta para hombrearem com os magnates, coisa é tão antiga como as insignias heraldieas. Mas haver rei que exornasse o peito com os distinctivos que o povo areara para os actos de confraternidade, só n'este seculo e n'este reino o vimos.
De todos os capítulos para a chronica del-rei D. PEDRO V, já escriptos com tanto afecto, saudade e poesia, nos innumeraveis artigos de toda a imprensa periodica, nacional e estrangeira, este será o mais honroso para a sua memoria, e o de maior exemplo para os soberanos que quizerem grangear o amor dos povos, tão intimo e cordial como foi o de todos os portuguezes ao jovem monarcha, abençoado e chorado por toda a nação.
Com a purpura esmaltada de veneras o ordens de todos os potentados do mundo, D. PEDRO V prezava mais que todas as gran-cruzes, as singelas medalhas que duas corporaçães populares, a «Camara Municipal de Lisboa» e a «Sociedade Humanitária do Porto». arearam para distinguir os que se houvessem arriscado pela salvação dos seus similhantes. E era aquella a que habitualmente trazia ao peito, dizendo com ufania : Esta ganhei-a eu.
E ganhara. Quando o tremendo flagello da febre amarella invadiu por primeira vez a capital do seu reino, ameaçando despovoal-a pela morte ou pela fuga, elle, similhante ao general intrepido, que no mais acceso da peleja e da mortandade, acode a toda a parte, reanimando os feridos e incitando os descoroçoados, visitava os hospitaes, afagava e animava os enfermos, mais atterrados que doentes; com a sua presença, tão suave e tranquilla, afoitava os assistentes receiosos do imminente contagio ; apparecendo em todos os togares publicas, este exemplo, vindo de tão alto, retinha na cidade os que ainda lhe davam animação, e prestavam soccorro aos accornmettidos do mal.
Parecia já antever, que em tão breve existencia, se não lhe depararia outra conjuncção de batalhar pelo seu povo, não como o haviam feito todos seus avós, mas em lucta digna d'este seculo, propria da sua philosophia e piedade... Só uma recompensa ambicionava d'esta abnegação da sua vida: era ser condecorado pelo povo, como todos os mais que o não tinham desamparado nos dias da angustia— disse-o na, resposta que deu ao discurso do senado municipal, quando lhe foi entregar a medalha que o rei havia ganhado ao lado dos seus subditos. E acrescentou ao mais que por essa occasião profe-riu, com benevolo mas sincero agradecimento, estas memoraveis palavras.
«Pareceu-me sempre que a mais invejavel das recompensas, ás quaes o sentimento liga um valor que a philosophia se esforça em vão por desmerecer, é aquela que os companheiros de trabalhos e de perigos nos votam sobre o proprio chão da peleja. É a condecoração modesta do soldado, a que o favor não tem direito, nem se lembra jamais de conferir.»
O valor que o jovem monarcha, de indelevel memoria, dava a este testemunho da gratidão nacional, bem se revela n'estas sentenciosas phrasos. E ainda mais se foi por disposição da sua ultima vontade, como suppomos, que as duas medalhas que lhe conferiram as cidades de Lisboa e Porto, foram pendentes do seu ataúde, no transito funeral do paço das Necessidades para o real jazigo de S. Vicente.
Devendo tambem o Archivo Pittoresco prestar a sua parcella de tributo e homenagem á saudosa memoria do rei escriptor, que honrou a imprensa periodica com os seus artigos, a sciencia com o seu estudo, as escholas com a sua presença, o ensino com a instituição de aulas publicas por elle mantidas, as artes com o seu patrocinio, entendemos, que gravando e perpetuando n'estas paginas as medalhas que elle ganhou, supprimos, por este seu brasão popular, as vozes que nos faltam para tecer o panegyrico das virtudes e saber de tal principe.
* * *
Fonte
- "Medalhas populares que levou pendentes o ataúde do Senhor Rei D. Pedro V", Archivo Pittoresco, n-º 39, 1861.
Imagens da coleção digital da Hemeroteca de Lisboa e da Biblioteca Nacional.
Sem comentários:
Enviar um comentário